Eu decidi contar aqui uma história que me intriga, porque não lembro quem me contou, e também porque não sei exatamente qual é o seu sentido nem o sentido de ter que contá-la. Bom, mas o que interessa, por enquanto, é a história. Então, vamos a ela. Contam que um aprendiz de barqueiro tomou um dia uma canoa e resolveu atravessar o rio sozinho, imaginava ele que contaria com a ajuda de seu mestre, que ia gritando da margem oposta, quando o risco de uma pedra sob a água ou um redemoinho ou outros obstáculos perigosos fossem se aproximando. Ele acreditava que poderia fazer tranquilo sua travessia com a ajuda do mestre que não estava na canoa nem remava com ele, estava na margem oposta (seja lá o que isto signifique).
Assim, se pôs a remar rio adentro. No princípio, logo percebeu que o rio não obedecia direito ao sentido de suas remadas. Remava para um lado, a canoa ia para outro, remava para o outro, a canoa seguia rumo diferente. Mas, mesmo assim, avançava. Ouvia o seu mestre, que, como um técnico de futebol que tem a receita e conhece as táticas e estratégias para as melhores jogadas e para a vitória do time, fica à beira do campo, gesticulando coisas incompreensíveis e berrando palavras impronunciáveis. Algumas coisas que entendia ia pondo em prática, outras que não entendia, interpretava-as a seu modo.
O certo é que, durante o percurso, virou a canoa e deu de garra do primeiro tronco de árvore que passou boiando, próximo. Seu mestre gritava dizendo para ele retornar e recuperar a canoa, mostrava, gesticulava, mas o aprendiz de barqueiro não quis saber de conversa: àquela altura lhe parecia que a margem onde deveria chegar estava tão próxima que o melhor mesmo era seguir escanchado no tronco, e fazer de conta que aquilo era, então, o seu barco.
Vendo que não ia conseguir muita coisa, o mestre achou por bem embarcar (me perdoem o trocadilho) na crença do seu discípulo. Deitou a organizar regras novas e a tentar passá-las para o moço que subia e descia já quase sem fôlego naquele tronco de árvore. Foi tanto o esforço e tantas foram as dificuldades, que o moço esqueceu por um momento de agarrar o tronco e lá se foi sua “canoa” rio abaixo. No desespero, e já sem ouvir mais ninguém, fez um esforço extremo e conseguiu agarrar-se a um caule de bananeira que se chocou com ele, boiando.
O caule liso não permitia que ele se escanchasse de modo que teve que abraçá-lo com um dos braços enquanto tentava nadar, puxando a água para si com o outro. Por incrível que possa parecer, isto foi lhe dando confiança e, aos poucos, se aproximou da margem de destino. Sentia que havia bebido muita água e que estava muito cansado, mas aliviou-se, imaginando que ali estava o seu barco e conseguira atravessar o rio como havia se proposto, desde o início.
Já quase à margem, sem mais precisar de nada, nem do apoio do caule de bananeira, fez questão de puxá-lo e levá-lo consigo até o solo seco, onde outras pessoas, além do seu mestre, o aguardavam. Foi com ar de vitória que abriu o sorriso e abraçou os que ali estavam. No entanto, surpreendeu-se quando alguém lamentou que ele houvesse deixado a canoa perder-se na correnteza do rio. De todas as maneiras possíveis e inimagináveis, tentou provar a todos, especialmente para o seu mestre, que aquela bananeira era a canoa com a qual havia iniciado a travessia. Bom, dizia o aprendiz de barqueiro, é lógico que ela está um pouco diferente porque, no aprendizado do percurso, foi preciso transformá-la, mas para melhor garantia.
Restou, ao final, agradecer ao seu mestre pela escolha do caminho mais seguro e aos presentes pela força.
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