
Destinos.
Cada cubículo, entre os cubículos todos sobrepostos em que se abrigam as
pessoas numa grande cidade, sobram destinos. Cada pessoa é um fragmento que se
destina a um lugar diferente, por motivos também diferentes. Portas fechadas
dão de cara para o muro do corredor estático, há tempos. É próprio de uns ir à
feira, outros ao banho. Há quem fique em casa e os ganhem a rua. Os que nunca
mais retornem por opção própria ou de outros. Há os que recebem: visitas de
entes há muito não vistos, do cobrador, do leiteiro, do médico, do vizinho, do
amante ou da amante, por aí afora.
Conflitos.
Ninguém que se saiba concorda com os cães do apartamento de cima que ladram
durante a madrugada. Mas eles se mantêm impassíveis: ladram, simplesmente. Um
mundo de gente mora em condomínios, experimentando viver em harmonia — uns
contra os outros. Enfrentam os mesmos conflitos: separar elevador social de
elevador de serviço – em qual deles pode-se descer ou subir com os cachorros que
dividem o espaço minguado dos apartamentos? Até que horas pode-se ficar com o
som ligado a todo volume? Nos elevadores, baixa-se ou ergue-se a cabeça? E
conversar com vizinhos e visitas, pode? Jogar bola nos corredores tem problema?
Máquinas
e humanos. O desenho dos espaços urbanos foi definido pela tecnologia dos
automóveis, que funcionam como extensões das pernas humanas, no dizer de
McLuhan. Mas a verdade é que, embora sejam conduzidos por pessoas, os rituais
todos e as marcações de reverência esquecem este detalhe. Todos os traços e
faixas nas ruas e avenidas comunicam que se deve dar a preferência aos seus
usuários. Quando o poder público institui a faixa de pedestre como observação
obrigatória para os motoristas, eleva a importância da pessoa contra as
máquinas, dá uma alguma racionalidade e desperta um certo espírito de
civilidade. O problema é que a exacerbação do sistema acaba pondo em risco
pessoas e máquinas: instalar faixas em vias expressas, sem sinal luminoso, por
exemplo, é uma temeridade.
Tempo
dos sinais. A pressa das pessoas antes e após a jornada de trabalho destoa do
tempo dos semáforos nos cruzamentos das avenidas. Os sinais piscam para as
filas que crescem, sem solução. Os humanos que administram as máquinas de
controle hibernam faz tempo, não percebem que há urgência em se atualizar esta
relação defasada. O ruído do caixa e das moedas abafa as lamúrias de
descontentamento e o ranger de dentes de indignação.
Janela
de fora. Os olhos enquadrados na tela da TV vêem a paisagem se afastar ou se
aproximar em zoom, pela janela do automóvel. As cores e os movimentos
assemelham-se. Até mesmo o encanto e o deslumbramento diante dos acontecimentos
e dos personagens que pontuam em fragmentos de segundos a composição
enquadrada. Há uma estética audiovisual que contamina as paisagens, impregnada
que está pelas tecnologias do ver. As dimensões se achatam contra o vidro da
janela e não perturbam o viajante em sua dormência demente.
Coração
vazio. Falam-se em revitalização dos centros urbanos. É uma tristeza caminhar
pelos centros das velhas cidades, o que prevalece é imagem do abandono.
Estacionamentos multiplicam-se no lugar de prédios demolidos. Prédios de
pintura carcomida e envelhecida denunciam os cuidados que lhes faltam. Os
shoppings deslocaram os centros para outros centros instalando o clima de
vazio. Transeuntes perambulam em cores desbotadas. Autoridades planejam dar
vida novamente aos centros urbanos, estabelecer novos horizontes. Horizontes
encarcerados em pequenos cubículos, em cada um deles sobram destinos.