
Emília
é uma mulher muito interessante. Diz que seu gosto na vida é conhecer pessoas,
lidar com gente é seu passatempo favorito. Conversa com desenvoltura e dá conta
de suas tarefas no atendimento a clientes de uma clínica onde trabalha, sem
problemas. Apesar de gostar de conversar, não perde tempo ao usar o telefone.
Explica que, neste caso, o importante é atender a um número maior de pessoas e
não falar além do necessário com uma única pessoa. Mas é atenciosa, educada e
extremamente hábil ao lidar com isto que faz o seu gosto.
Mas
Emília tem uma característica, no mínimo, curiosa: o passado exerce um fascínio
muito forte sobre ela. Perde-se nas horas ao contar qualquer acontecimento do
passado, especialmente, suas histórias de amor. De vez em quando ela pergunta
ao atual namorado: — Você lembra-se de quando nos conhecemos? Ai, mesmo que ele
não estimule, ela desfia todos os detalhes do primeiro encontro: a cor da roupa
que ela e ele vestiam, as palavras trocadas, o lugar e a hora certa... tudo
tim, tim por tim, tim.
Outra
pergunta freqüente é: — Você se lembra do nosso primeiro beijo? Do mesmo modo,
não sossega enquanto toda a cena e o cenário não são recuperados. As sensações
que sentiu, o conflito que a deixou em desespero etc. etc. Bom, esta história
de conflito, então, é típica de outras coisas igualmente recorrentes e que
estão ligadas ao seu passado.
A
começar por um casamento desfeito. Diz que o seu ex-marido a maltratava, a
deixava sozinha e ia a passeios em lugares distantes, só com os amigos. Finais
de semana ele só queria saber de jogar bola. Só retornava pra casa tarde da
noite, bêbado. Sem contar que nestas situações, algumas vezes ele chegou mesmo
a espancá-la. No entanto, ela conta tais agruras com certo tom de permissão.
Diz que o entende e que não tem raiva dele, pelo contrário, é um amigo
necessário, tanto que às vezes fica a conversar com ele horas e horas lembrando
os bons momentos em que viveram juntos. Não declara, mas dá a entender que têm
ficado juntos e se amado loucamente.
Outras
vezes, lembra passagens do passado com sua família. A infância com os pais, os
irmãos, os passeios e os lugares onde morou. O passado é, certamente, o lugar
em que ela mais fica à vontade. É como se o presente só servisse virar passado
e, por isto, tema preferido de suas conversas pessoais. Como se todas as suas
experiências do presente fossem planejadas para se transformar em lembranças.
Além
das histórias da sua vida de casada, conta também a história que aconteceu
depois com um namorado de quem gostava muito. Aliás, demonstra que gosta até
hoje. Diz que este foi seu primeiro namorado, após a separação. Diz que apesar
de estarem namorando firme, ele saiu com uma amiga dela. Esta amiga armou uma
situação da qual Emília nunca esquece: ligou pra ela e deixou o celular ligado
enquanto transava com o tal namorado. Emília não teve reação, sua única saída
foi chorar. Apesar disto, não guarda mágoa dele. Até tem saído com ele algumas
vezes só para lembrar as coisas boas que passaram juntos e, também, para
alimentar coisas novas para lembrar com ele, futuramente. Ela se delicia
contando suas histórias do passado.
Ultimamente,
diz que namorava um cara casado e que viveu com ele momentos inesquecíveis:
muitas vezes iam para um Motel e não faziam amor, ficavam lá só conversando e
brincando como se crianças fossem. O cara, um figurão da política local,
prometia e jurava que iria descasar para ficar com ela.
Ele tinha tanto ciúme dela
que às vezes a seguia pelas ruas. Quando ela menos esperava ele aparecia para
abordá-la, sob qualquer pretexto. Outras vezes, não aparecia, mas ela o
percebia estacionado numa rua próxima como se a observasse. Ao mesmo tempo em
que isto lhe provocava riso de convencimento, a incomodava pela desconfiança
demonstrada. Mas, também, não reclamava com ele.
Num
certo dia, o rapaz apareceu com uma história de lhe pedir um tempo, um ano
exato. Precisava tomar umas decisões na vida dele e o tal tempo seria
fundamental. Nunca voltou, mas faz questão de deixar sinais de que está vivo e
muito próximo, como se alimentasse alguma esperança. É um fantasma que a
alimenta e é por ela alimentado. Ela sofreu muito, conta, mas não pode fazer
nada. Diz ela que, dada a sua decepção, jurou que, desde aquele dia, nunca mais
aceitaria a corte de homem algum. Fala isto com um sorriso malicioso, como quem
diz: quem quiser que acredite.
A
clínica, onde trabalha, é um lugar por onde passa muita gente com as mais
diversas histórias, inclusive, algumas delas, dolorosas. Emília faz amizades
com médicos, outras atendentes e sabe de cor a data de aniversário de cada um,
endereço, telefone e a constituição familiar. Mas o que mais a deixa feliz é
contar como, onde e quando, conheceu cada uma dessas pessoas.