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A felicidade
que anima a urbe
não tem nada
a ver com a felicidade de cada
um dos personagens
que lhe
dão alma e vida .
Cada um
está só na luta
pela conquista
de seus projetos .
E aí se é necessário
que outros
acudam, que lhes
deem uma força é porque
os fragmentos se completam como nos quebra-cabeças . Cada
um desses também
está envolto com
seus próprios
desejos .
Pela manhã ,
os ônibus transitam transbordantes
de vazios . Olhos
espiam o nada que
traspassa as calçadas , de dentro para fora . A cidade
fervilha o dia inteiro .
Máquinas e papéis esbaldam-se às mãos de tanto trabalho . Depois é só verter a cerveja numa latrina , no intervalo da euforia
embriagada. Dentes à mostra , um beijo após outro e o vômito seguido de gozo .
Ninguém dá notícia
do outro : o prazer
é solitário e único .
Anoitece e as gentes refugiam-se olhos pregados na TV. Cada
um na sua .
Os perfumes mesclam-se, mas não se
misturam, findo o papo, acompanham seus corpos embevecidos em
busca de outros
leitos . É a regra :
entornam-se e escorrem lentamente sem destino .
Café da manhã. Deixam-se os quartos em busca da mesa
no tempo marcado do dever ,
sob a orientação
do cronômetro . O tempo
da mesa é individual .
Quando dois
esbarram-se, sorriem como se
compartilhassem o rompimento do
planejado. Em seguida
dão-se a vez ao outro .
A roupa trocada
após o banho ,
o tênis calçado
sem meia
e depois pés
perseguem os rastos dos dias anteriores
e somem para os lados
de costume . As tarefas
aguardam como assim
fosse necessário , vital .
Alguns hão de dormir ,
outros não .
Pregar o olho
é o desejo , mas
a insônia não
se vai nem sob
a ingestão de soníferos . A memória teima em repassar o dia nos mínimos detalhes, e a ausência
preenche a noite plenamente .
Falta um
corpo a mais ,
falta um
cheiro , uma pele ,
falta uma palavra ,
uma boca . A cidade
amanhece cantando.
Café da manhã .
Os automóveis
velozes e ferozes
disputam corridas sozinhos ,
resguardam noturna solidão .
Os rios fatiam a cidade .
As pontes ultrapassam itinerários , alongam sinais
para além das
esquinas . No contorno
das casas, as ruas desertam-se,
ausentam-se como um
tempo ido
sem testemunha .
No âmago , famílias
desencontram-se no cotidiano hábito
de dividir do pão .
Almoço. Resvalam-se nos restaurantes
sem perda
de tempo . O descanso
fica para as férias .
É urgente que
retornem ao trabalho . A cidade
tem suas expectativas .
Jantar. Como ontem , uma parada
num bar antes
de retornar a casa .
Como antes
de ontem , corpos
descontínuos e impessoais
arremetem-se pelas vias todas em direções
múltiplas, inconstantes e continuamente.
A comida está no fogão .