
O
coveiro Antonio Gaspar recebeu a ordem para que desocupe o túmulo que era da
família Ferreira. Aquele túmulo que ele cuida com muito cuidado e que lhe traz
tantas lembranças. Foi ali que ele conheceu Amparo. Várias e várias vezes ela
contou para ele a história que acabou, como conseqüência, unindo os dois, ao
menos, por uns tempos.
Amparo
chegou a sua casa naquele dia, após o trabalho, e soube que o marido havia
saído com o filho para dar um passeio, de bicicleta. Era hábito de Teobaldo, o
marido, fazer aquele passeio à tardinha. Mas, justo naquele dia ela havia saído
do trabalho mais tarde e esperava encontrá-los em casa, naquele horário já
haveriam de ter retornado, como faziam sempre. Vendo que não haviam ainda
chegado, passou-lhe um mau pressentimento. O tempo foi passando e ela ficando
cada vez mais aflita. De repente, lembrou que no caminho do trabalho para casa,
ali próximo, viu que havia um movimento como se algum acidente houvesse
ocorrido. Todos que vinham no coletivo viram. E, de relance, lembrou que alguém
comentou alguma coisa sobre um ciclista. Na hora, não ligou. Mas agora imagina
que pode ter sido seu marido quem estava lá, acidentado.
Decidiu
procurar então nos hospitais próximos e acabou encontrando o marido e o filho,
mortos, no hospital municipal de atendimento de urgência.
Ela
sofreu muito, como é natural. E, para aliviar o sofrimento, começou a ir ao
cemitério todos os dias para visitar o túmulo do marido e do filho. Foi, então,
que Antonio Gaspar a conheceu.
Em
sua recordação, ele reconstitui o dia em que logo ao chegar para trabalhar viu
aquela mulher se desmanchando em lágrimas por causa da morte do marido. Uma
cena muito comum, não fosse pelo exagero com que a mulher chorava e lamentava o
falecimento do esposo e do filho de sete anos.
Ele
não entendia por que depois de tanto tempo presenciando cenas iguaiszinhas
àquela, se comoveu tanto a ponto de se aproximar da mulher para oferecer ajuda.
Sua oferta era, a princípio, desinteressada, apenas para acalmá-la e para ver a
retirava daquele lugar e daquela situação. Mas as cenas foram se repetindo
todos os dias dali por diante e o tempo em que ele passava com ela foi se
alongando dia após dia.
Ficaram
amigos, passaram a sair juntos nos finais de semana. Num certo dia, depois de
um final de sábado repleto de festinhas e comemorações, ele acordou e percebeu
que havia dormido na casa dela. Não lembrava como chegara até ali. Dormira fora
de casa pela primeira vez na vida. A esposa deveria estar muito preocupada.
Saiu dali, procurou um telefone e inventou uma história qualquer como desculpa.
Depois
disto, foram ficando juntos dias, semanas e, como era de se esperar, ela
engravidou. Não era para engravidar, mas engravidou. De modo algum ela quis
tirar o menino. Gaspar também não insistiu. Tinha outra família com três filhos,
mas Amparo não lhe cobrava nada, disse que assumiria a gravidez até sozinha se
fosse necessário, ele ficou descansado.
Mas
as coisas complicaram quando a esposa soube do que estava ocorrendo. E para
piorar, Amparo foi reclamando mais tempo para os dois e, depois, os três. Com o
nascimento do filho, não deu mais para conciliar as duas casas porque as
cobranças se multiplicaram de ambos os lados. A esposa ameaçava sair de casa
com os filhos. Ficou de tal modo insuportável que Gaspar e Amparo tiveram que
se separar.
Ele
soube depois, pela boca dos outros, que Amparo havia tomado a decisão de vender
o túmulo da família. Dizia que era para poder juntar o dinheiro da venda com a
parte de outra venda, a da casa em que morava, desejava comprar uma casa melhor.
Mas Gaspar sempre achou que, na verdade, ela não queria mais o túmulo porque
sempre que fosse lá teria de encontrá-lo. Não considera correto que ela tenha
deixado que os restos mortais do filho e do marido ficassem sem abrigo, pelo
simples capricho de um amor desfeito. No entanto, nada pode fazer, não tem onde
guardá-los.
Agora está ali, com aquela
ordem na mão. Terá que cumprir, afinal é o seu trabalho, mas entende que aquela
tarefa é para ele como se estivesse desenterrando a si próprio e o seu passado.