
Nos
finais de semana, ela costuma sentar-se próximo à porta que dá para a rua, mas
nem presta atenção ao que ocorre lá fora. Fica um tempão com a serrinha
aparando os cantos das unhas. Aqui e acolá, pára e estende o braço: olha as
costas da mão espalmada, de longe, com os dedos fechados. Inclina a cabeça para
um lado e para o outro, depois recomeça friccionando a serrinha contra os
cantos das unhas. Primeiro, as mãos e, depois, os pés. Algumas vezes, mesmo
percebendo que o trabalho está concluído, reinicia como se não soubesse. Fica
assim um tempão. É um gosto que não tem nenhuma explicação a não ser que não
gosta de ficar na frente da televisão e nem sem fazer nada, prefere cuidar de
si.
Levanta-se
para ir à cozinha, ajeita uma almofada no sofá, apanha o copo no chão e sai
murmurando uma canção destas da moda. Enquanto está na cozinha, verifica a
geladeira para ver se tem algum refrigerante. Na falta, toma um copo d’água e
retorna ao seu lugar próximo à porta. Olha a rua sem se deter em qualquer
detalhe. Hoje, no entanto, percebe que chovera recentemente. Há ainda fios
correntes de água da chuva.
Agora,
já finalizando mais uma vez o trabalho com as unhas, alguém vem avisá-la de que
há uma ligação para ela no telefone da esquina. Nem imagina de início, quem
poderia ser. Mas, sem surpresa, levanta-se e sai apressada para atender ao
chamado. Quando atende escuta a voz de um homem que reclama de sua demora. Ela
lembra que havia combinado com um alguém, um caso recente, para saírem. Na
verdade, ela havia concordado muito mais para não encompridar o papo. Não
estava a fim de ficar com ninguém. Dissera a ele algumas vezes que gostava
dele, mas sem muito entusiasmo. Anda tão cheia de trabalho que nem se anima a
namorar. Homem é o que não lhe falta.
Ela,
então, para não deixar barato pergunta pelo dinheiro. Isto o irrita ainda mais.
Mesmo assim ela insiste e faz voz de ofendida. Percebendo que aquela discussão
não adianta nada, ela, simplesmente, deixa o telefone pendurado e vai conversar
com a pessoa que a foi chamar. Agradece e pede para que após 15 minutos ela
reponha o telefone no gancho. As duas sorriem. Ela retorna para casa.
Apanha
dinheiro sobre a mesa de centro e resolve ir à esquina do outro lado da quadra
para comprar um refrigerante, sente vontade de beber algo gelado. Caminha pela
rua molhada e vai desviando das poças, como se fosse divertido. Ao chegar à
esquina, entra no bar e dá de cara com um ex-namorado que ultimamente vive
rondando a sua casa.
Assim
que a vê ele vai ao seu encontro. Entram no bar e ela não parece nem um pouco
feliz com o encontro. Reclama da atitude dele de ficar rodeando a casa dela,
feito peru, de asa baixa. Ele, já com algumas cervejas na cabeça, começa a
falar alto e vai-se alterando cada vez mais. Ela percebe que está chamando a
atenção das poucas pessoas que estão no bar naquele momento. Pede que ele se
acalme, tenta contemporizar, mas não consegue de modo algum acalmar o homem.
Ele, colérico, joga uma garrafa de cerveja próximo aos pés dela e, em seguida,
retira-se do bar, arrebatado.
Ela
pede o refrigerante e sai para uma mesa que está afastada. Senta-se e fica
tomando o refrigerante devagarzinho. Sem mais por que, dá uma vontade enorme de
chorar. Deita a cabeça sobre os dois braços e deixa-se ficar assim e desfaz em
lágrimas. Enquanto chora, vai lembrando da noite anterior e do telefonema que
acabara de atender. As imagens vão-se sucedendo em sua imaginação até lhe vir à
mente o rosto do homem que lhe propusera sair.
Semelhante
a um sonho, começa a ouvi-lo perguntando se ela não lhe quer fazer companhia,
conversar um pouco. Ela ergue a cabeça lentamente, como se sob efeito de
sonolência. Não sabe ao certo se está mesmo vivendo aquilo ou se é apenas um
sonho. Mas se surpreende quando vê diante de si, em pé, estático e boquiaberto
o tal homem.
Nem
pensa direito, sua reação é quase que automática, a pergunta lhe escapa quase
que contra a sua vontade: — Trouxe a grana?