
Ruas
tramam traçados: cruzamentos, vias públicas, vilas, valas. Poças encalham
esgotos a céu aberto, olham azul o céu negro. Roupas estendidas, corpos
estendidos, olhos espichados, estendidos. Pouca gente, pouca roupa, comida
pouca sobre a mesa.
Crianças
adornam as praças e empinam sonhos e graça sob o sol. Pipas pontuam o azul e
riscam, enlinham-se nos cortes do cerol. Choro, sangue, faz de conta corta a
ponta e alça outra vez: isto é o que conta. Vielas recortam muros, casebres,
costados, lado a lado, rente colados. O trilho treme sob o trem, a terra estremece
também.
Cachorro
adormece e sonha fins de semana, grunhe mansamente entre o sol e a areia seca.
Sua sombra sua sobre a cama e o resto do tempo descamba sem movimento. Pedaço
de telha, caco de vidro, tábua com pregos ao seu redor.
Crianças
esguias esgueiram-se nos logradouros: menino, cata-vento; menina, catapulta.
Boca aberta ao Deus dará, pernas e braços idem. Graves laços enlaçam grossas
promissões. Larvas lerdas lançam-se nas águas paradas e mosquitos picam novos
pontos. Um mundaréu de casas, acesas feitos brasas, enfileiram-se, tijolo sobre
tijolo, massa ao meio.
Uma bodega de esquina
revolve gente. Uns que entram, outros que saem. Entram firmes e saem trôpegos.
Uma esquina, um canto com entradas e saídas insistentes. Verde desbotado sobre
o vermelho riscado do cenário. Picolés, pingas, conversa exaltada, miolo de
pote: aguardente.
Sob
uma latada o corpo de um bode, dependurado – retiram-lhe o coro. A carne
exposta, as vísceras expostas – retiram-lhe o fato, o fígado, o bofe. Olhos
esbugalhados a ver o nada diante de si, de cabeça para baixo. Miram-lhe olhos
de expectativa: um quilo para cá, meio quilo para ali – vão-se as suas carnes.
Restam-lhe os ossos descarnados. O cachorro sonolento ergue a cabeça e aguarda
receber sua parte.
A
igreja no alto do morro finda a rua. Portas abertas aguardam engolir fiéis ao
fim da tarde. Um ou outro mais piedoso põe-se de joelhos e espera, junto ao
altar, a olhar os santos que miram o infinito. Adornos de flores ornam as
orações. A fé preenche o espaço com sombras de alívio, o sol castiga lá fora.
Ponto branco sobre telhados cinza escuro. Somente uma senhora, sem hora para
outras ocupações, ora àquela hora.
Tempo
ou outro soa o sino repicando as marcas do tempo que se vai e anunciando as
fronteiras do que virá. Vez em quando há silêncio no vento que dissimula-se nas
ruas. Um ladrar distante, um galo mais próximo e o gralhar de pessoas em
revoada. Ondas que se diluem no vácuo do dia. Um assobio experimenta melodias
desconcertantes. Uma risada também estilhaça o silêncio. O ronco de uma
motocicleta raspa as ruas até desaparecer no longe da avenida principal. Por
longos tempos o ônibus se ausenta e cessam seus ruídos. No ponto, um esperar
sem fim.
Uma
algazarra repentina denuncia um jogo de futebol nas proximidades. Jovens
demarcam o chão e marcam com pedras o lugar do gol. Qualquer coisa parecida com
uma bola rola aos pontapés, em meio à disputa que se trava no interior da
poeira que se agita. Gritos, xingamentos, empurrões e risos nervosos compõem a
trilha daquela tarde.
Das
janelas, mulheres observam tudo sem se darem conta de que também são
observadas. Esgoelam um bocejo e trançam os cabelos, olham-se e sorriem à-toa.
Nas calçadas, casais sentam-se à sombra e conversam coisas de sempre: o calor
do dia, a falta de energia da noite anterior, a vida de alguém conhecido...
vão-se desfiando temas sem consequência como que para matar o tempo.
Espreguiçadeiras
recebem corpos envelhecidos. Logo uma brasa acende o fumo e pitam fumaça de
cheiro forte. Domingo pede cachimbo. Domingo pé-de-cachimbo.