
Acompanha-me desde sempre um sentimento de que preciso buscar algo que
me falta. Este sentimento me conduz a estar sempre em movimento de um lugar
para o outro. Uma amiga me observou certa vez de que eu pareço estar sempre de
partida mesmo quando acabo de chegar. Ainda assim, dou comigo há anos vivendo
no mesmo lugar. Há uma espécie de contradição, a inquietação move-me para
longas viagens e me arremete de volta ao lugar de origem onde permaneço.
Ainda que entre partir e retornar
signifique alguns poucos anos, a certeza de que retornarei me põe outro tipo de
sensação, a de provisoriedade. Nenhum traço do que pode ser definitivo, por
isto mesmo não finco raízes, não estabeleço vínculos permanentes. Nada deve ter
marca do ficar. A saudade “de casa” é então aliviada por esta impressão de que
logo estarei de volta. Os dias contados, os compromissos parcelados até a data
do retorno. O que é provisório não ata laços.
A provisoriedade é real, estamos, como se diz, de passagem na vida. E a
sua sensação em mim é uma espécie de equívoco porque pressupõe a idéia de
permanência. Cada estada breve só se justifica porque hei de estar sempre onde
estou: em lugares diversos e, ao mesmo tempo, definitivamente, no mesmo lugar.
Pode ser que este ir e voltar se faça em função do sentimento de falta, da
busca de preencher esta incompletude. Pode ser que este retornar ao mesmo ponto
de partida se dê porque os pontos de busca apontam para o mesmo destino. Pode
ser tanta coisa.
Quem está em busca de algo e não sabe exatamente o que é não sabe também
quando ou se encontrará. Pode ser que este não saber traga junto a surpresa
como atrativo, pode ser que também seja acionado para não produzir decepções.
Mas, ao mesmo tempo, produz uma espécie de cegueira que nos leva a lugares em
que nada há para se buscar, ou, pelo menos, onde nada se encontra.
Há quem diga que este sentimento deve
ser preenchido pela presença de Deus, que quem tem Deus ou uma religiosidade
firme não precisa andar em busca de outras coisas que tragam felicidade. Mas é
também o caso de se perguntar se já não é a fé que nos remete ao mundo e nos
impõe a tal busca.
O crescimento de uma pessoa se processa, basicamente em duas direções: a
primeira é o crescimento físico acompanhado pelos hábitos sociais. Este
crescimento conduz a que cada um se projete do seio da família onde goza de
segurança para a constituição de sua própria realização, o que quase sempre
leva à constituição de novas famílias que esta pessoa passa a prover, assumindo
responsabilidades que mais a fragilizam que lhes dão estabilidade.
A segunda direção é produzida pelo desenvolvimento do conhecimento e a
ampliação do nível de consciência sobre si e a sua condição no mundo. Esta nova
perspectiva arremessa o ser num emaranhado de dúvidas e descobertas que também
produz incerteza e instabilidade, embora possa produzir sentimento de prazer e
satisfação.
O que traz novamente a impressão de solo firme nas duas situações pode
ser realmente a religiosidade. Mas é por crer em algo que nos arremessamos ao
mundo e nos consideramos capazes de vencer desafios e superar limites.
Novamente, se impõe a necessidade de ir à busca de objetivos e metas e de se
chegar a destinos que não parecem se efetivar nunca. Tenho trabalhado, neste
sentido, a idéia de que todo lugar de chegada é, antes, um ponto de partida.
Outro aspecto desafiador é que os percursos se bifurcam e os destinos se
multiplicam, o que nos leva a ter que fazer escolhas, a optar. Escolher é
necessário, mas nem sempre é fácil. Consideramos que temos direito a escolher,
no entanto, quanto mais opções mais difícil é a escolha. Escolher um destino é
excluir outros. Estes podem depois nos faltar.