Com o tempo, Regina, já habituada à
cidade do Rio de Janeiro, vai espaçando suas idas à terra natal, no Nordeste.
Continua sentindo saudades da família, dos lugares, dos costumes, da comida e
dos amigos, mas já não é tão incômoda. Até parecem agradáveis estas
lembranças. Mas este ano achou por bem passar as férias com sua família. Toma
todas as providências com antecipação: passagens, roupas, malas etc. Um
presentinho para quem acha que deve levar, uma lembrancinha somente.
Dia da viagem, levanta-se cedinho. Tudo
arrumado, enquanto espera a portaria do prédio anunciar o táxi, caminha pelo
apartamento para ver se não está esquecendo nada e, ao mesmo tempo, arrumar o
que possa estar fora de lugar. No último momento, lembra de pegar Hermano no
guarda-roupa e sentá-lo no sofá, com advertência de que tome conta de tudo, não
abra a porta para estranhos e que se cuide. Diz que deixou na geladeira apenas
refrigerante e outros produtos próprios, que, se ele precisar, vá ao
supermercado. Deixou dinheiro suficiente, no lugar de sempre. Dá-lhe um beijo
carinhoso e se vai. Regina emociona-se ao deixar Hermano sozinho.
No caminho, até o aeroporto, Regina
desliza entre paisagens de prédios apressados que se deslocam em sentido
contrário ao seu. Os pensamentos misturam a expectativa de rever sua terra e
sua gente, com as preocupações com tarefas do trabalho, novas amizades, o
apartamento e a solidão em que ficara Hermano.
Do embarque até o momento de decolar,
Regina fez tudo tão automático que não precisou sair daquele transe de viagem.
As distâncias se mesclam, as pessoas se confundem e os olhos não veem o que
olham, apenas a ebulição interior. Dá-se conta de que está voando, quando a
comissária toca em seu ombro e lhe pergunta se está passando bem. Com um
sorriso leve e com a cabeça assente que sim. Fica, então, atenta ao serviço de
bordo e busca se situar.
Depois da aterrissagem, Regina toma um
ônibus, na estação rodoviária, que lhe conduzirá à cidade em que mora sua
família. Duas horas de trajeto, logo estará chegando. Tempo de um cochilo.
Desperta com a passageira ao lado pedindo para que a deixe passar, o ônibus
chegara ao seu destino, avisa.
Regina vê pela janela que sua família
inteirinha veio recebê-la. Sorriem, abraçam-se e, aos poucos, dirigem-se aos
carros que os levarão para casa. Nenhuma conversa completa, só frases cortadas,
sem muito sentido: sobre saudades, a viagem, o cansaço, estas coisas de quem
não sabe mesmo o que falar e que são próprias de determinadas ocasiões na vida.
Em casa, sobrinhos novos, vizinhos novos,
olhares de admiração e surpresa. Após tomar um banho rápido e vestir uma roupa
leve, Regina chama a parentada para o quarto em que ficará alojada, abre uma
mala e vai chamando pelo nome o dono de cada presente. Risos, abraços e beijos,
num clima de frisson. Antes de entregar cada presente, uma pequena história que
justifique a lembrança e, ao mesmo tempo, explique por que cada coisa tem a ver
com cada um que a recebe.
E, à medida que entrega cada presente, o
quarto vai ficando mais apertado: os que recebem não se retiram e novas pessoas
vêm em busca dos seus. Num dado momento, é necessário que a mãe de Regina peça
para que os que já receberam o seu deem lugar aos outros. O quarto vai, aos
poucos, se esvaziando, junto com a mala. Depois que todos saem do quarto,
Regina se dá conta de que está só.