
Ele
meteu a mão no bolso lentamente, como se diz, como se dentro houvesse um
escorpião. Puxou sem muita vontade um pequeno bolo de cédulas amarrotadas. Pôs
uma por uma em cima da mesa, uma sobre a outra. Olhou demoradamente e, depois
de algum tempo, resolveu somar a quantia que tinha ali. Fez uma expressão de
insatisfação, olhou para o teto longamente depois e pegou as cédulas e, num
bolo só, meteu no bolso novamente.
Antes
de sair de casa, ruminou a frase que não lhe descia bem: “não custo caro para
você, só vou cobrar porque não é correto trabalhar de graça”. Ele, em seguida,
murmurou como se respondesse: “mas você diz que me ama, nunca ouvi falar que se
pagasse pelo amor de alguém”. Não ouvindo qualquer tipo de réplica, meteu mão
esquerda no bolso e assim saiu, batendo a porta.
Caminhou pela rua molhada
até a pracinha. Não havia ninguém no orelhão. Dirigiu-se para lá. Retirou o
telefone do gancho, botou o cartão e discou o número olhando a caligrafia dela
no papel. Não demorou muito alguém atendeu. Ele disse que queria falar com a
Gina, a outra pessoa pediu que esperasse, ia chamar.
Demorou
um tempão. Várias vezes pensou em desligar e ligar pouco depois, mas desistiu
com receio de que ela chegasse para atender e encontrasse o telefone desligado,
retornasse para casa sem esperar que ele ligasse novamente. Lembrou que não
havia se identificado pra quem atendeu – a pessoa não perguntou e nem ele se
lembrou de falar. Também, não era necessário.
Mas
quando ela chegou e atendeu, ele estremeceu. A primeira reação foi meter a mão
no bolso e se certificar de que ainda estava lá o dinheiro. Reclamou da demora
só para não começar a conversa falando da inconveniência de pagar a ela para
saírem. Ela fez de conta que não era com ela e foi direto ao assunto: “Trouxe a
grana?”.
Ele
também não quis responder que sim ou que não, voltou a reclamar da demora e a
conversa foi ficando meio torta. Cada um falava ao mesmo tempo de uma coisa
diferente. Ele começou a tomar como questão fechada a história da demora, da
perda de tempo. Ela começou a questionar por que ele havia se preocupado em
telefonar para ela se não estava disposto a arcar com os custos que sabia
existirem.
Depois
de algum tempo, só ele falava e do outro lado silêncio completo. Nem mesmo um
pequeno ruído. Ele não se importou porque lhe veio uma vontade de falar e disse
coisas que não tinham nada a ver com aquela história. Coisas de outros momentos
que estavam ainda atravessadas, como repetira várias vezes. Falou, falou,
falou. Nada em resposta. Como o telefone não emitiu nenhum toque de desligado,
imaginou que ela o houvesse deixado fora do gancho. Botou o aparelho no gancho
e saiu dali caminhando sem direção.
Puxou as cédulas do bolso,
contou novamente. Dividiu ao meio sem se preocupar se isto importava dividir o
valor em metades. Contou as cédulas, botou metade no bolso da camisa e a outra
metade voltou a por no bolso direito da calça. Não havia nenhuma explicação
racional para tal feito, não estava conseguindo raciocinar. Deu vontade, só
isto. Ainda sem vontade de tomar qualquer decisão, dirigiu-se ao bar mais
próximo, na direção que apontava o nariz.
Não
havia quase ninguém àquela hora, umas poucas mesas ocupadas com uma ou duas
pessoas em cada uma delas. No balcão, um casal discutia alto. Ele ficou ali,
olhando, mas sem juntar as palavras que soavam daquela discussão. Depois de
alguns minutos, o barulho de uma garrafa atirada ao chão o trouxe a si. Olhou
aquele lugar com estranheza, mas mesmo assim pediu uma cerveja enquanto puxava
a cadeira para sentar-se. Do casal que estava discutindo, apenas a mulher
continuou no bar – ficou sentada, com a cabeça sobre os braços numa mesa mais afastada.
Ele
aproximou-se dela e perguntou se ela não queria fazer-lhe companhia, conversar
um pouco. Ela ergueu a cabeça e os dois entreolharam-se surpresos. Ela não
conseguiu se segurar, a pergunta saiu mecanicamente: — Trouxe a grana?.