
A
natureza é um templo onde vivos pilares deixam filtrar não raro insólitos
enredos.
Pequenos casos em que se contam as ocorrências tantas que o semeador expande
seus sonhos e, tresloucado, abate os troncos fixos, os caules firmes e os deita
a folhagem vencidos, à terra incinerada, pele cinza: templo denso e fértil. Era
uma vez.
O
homem o cruza em meio a um bosque de segredos que ali o espreitam com seus
olhos familiares. E desde então atravessado, alargam-se expiações antevistas e
visadas no olhar vesgo desapercebido. Templos e tempos como fardos desde há
muito e penosamente suportados nos intervalos imensuráveis da alma ao corpo.
Para além do que já não mais se aguarda o ouvido atento ausculta o chão, a
terra fria.
Como
ecos longes que à distância se matizam numa vertiginosa e lúgubre unidade. Sons
que reverberam na defasagem dos espaços cavalgados. Assimilam tensões e
cavilações das gentes outras confundidas no âmbar da iluminância eterna. Das
bocas sem palavras, de mãos sem amor. Não alcançam os olhos o horizonte
alongado para longe, só o palmilhar da areia fina enrijecendo os músculos da
panturrilha define bem a determinação do abraço. Longos, intermináveis braços.
Matizes emanam odores em tênue e ampla pradaria.
Tão
vasta quanto a noite e quanto a claridade, os sons, as cores e os perfumes se
harmonizam.
Ambivalências e contraditos erguem-se e apresentam novas cobiças. A imperfeição
da única matriz esfacela-se em múltiplas miragens pela simples ameaça da
proximidade. Baudelaire corre a pena em vão. Sudoreses em bicas estremecem em
versos de festim e espasmos. Uma música deixa-se estar o tempo inteiro nos
sentidos. Ora parece ouvidos da infância como saudade perdida, ora uma sinfonia
que se deve compor na imensa e necessária falta que denuncia. Ora o estremecer
do contato com a pele, como um frenesi, um frisson de olhares a desnudar a
alma.
Há
aromas frescos como a carne dos infames, doces como o oboé, verdes como a
campina.
A madrugada, enfim, tece a manhã no canto harmônico de todos os galos e a
poesia refaz a sinfonia por todo o dia os dias todos. Olhar a natureza e
degustar os frutos frescos postos sobre a mesa significa mais do que absorver
os aromas maturados dos enredos sob o templo. Alguns passantes vasculham
veredas como a querer transpor desejos e decretar modos mais estáveis de
sentir. São poucos mais se consideram, por assim dizer, aqueles ainda duvidosos
que têm esta missão, uma tarefa a cumprir por destino.
E
outros, já dissolutos, ricos e triunfantes, como a fluidez daquilo que jamais
termina.
O rio acautela-se entre as margens e se compraz inteiro no seu ir-se. Toca-lhe
o contato dos que à distância observam seu jamais voltar absoluto. Ao que está
determinado quem há de contrariar? O eixo desnivela o leito e empurra-o para o
mar. Este é o itinerário que não finda e que pertence aos rios. Aos ricos, a
impressão dissimulada das posses contra a dor no estômago vazio dos famintos.
Como
o almíscar, o incenso e as resinas do oriente, que a glória exala dos sentidos
e da mente.
Resta ao poeta pensar e devolver ao mundo seu contributo à poesia. De tal modo
que o tecido das palavras a acoberte e a dissimule. O mundo, para além das
aguçadas mentes criativas, permanece sob sol nos desnivelados matizes que
colorem as planícies e as cordilheiras. A mente centrífuga adormece em meio aos
aplausos e aos encantos que os sentidos aguçam. Muitos outros poemas florescem,
certamente, por entre as trepadeiras. Em nenhuma delas se instala a
determinação de estancar a florescência ou o canto que o pássaro repercute no
silêncio das tardes, no limo das paredes de pé sobre o tempo. Os sonetos
alardeiam timidamente seus versos e nós os colhemos como se donos fôssemos. A
natureza é um templo sob o qual recitam-se preces e poemas.