
Quando Regina vai morar no Rio de
Janeiro imagina que o sofrimento provocado pela adaptação de viver sozinha será
por pouco tempo. Pensa: “logo, logo me acostumo e tiro de letra”. Mas ela
descobre que, à medida que o tempo passa, vai ficando mais só. Não entende como
antes, quando não conhecia ninguém no prédio onde mora, nem no trabalho, nem no
supermercado, nem em lugar algum, sofria menos. Hoje, Regina continua com medo
de circular sozinha pelas ruas de Copacabana e até, de vez em quando, tem umas
paranóias de se sentir seguida. Várias vezes tem sentido esta sensação. Mas
agora, já conhece a família que mora no apartamento vizinho ao seu. Já chama os
porteiros pelo nome e, vez ou outra, pede a um deles para ajuda-la a subir com
as compras. Depois de muito resistir, até aceitou ir ao cinema com um colega de
trabalho que vive dando em cima. Deixa-lo ir ao seu apartamento está
fora de cogitação, mesmo se decidir namorá-lo um dia, pensa.
Para sua insatisfação, parece que
quanto mais passa o tempo, mais se esgarça sua resistência. E isto porque, pelo
menos duas vezes por semestre, viaja à sua terra para encontrar a família.
Nessas viagens, já sente, curiosamente, que depois de dois dias começa a sentir
falta do seu apartamento, do trabalho, em fim, do Rio de Janeiro. Isso a deixa
ainda mais confusa. Agora é uma mulher dividida e tomada de saudade onde quer
que esteja: se no Rio, sente falta da terra e da família. Se com a família,
sente falta do Rio, inclusive, da companheiro de pano que arranjou para si e
com quem mais conversa quando está em casa, especialmente, à noite.
Nesta sexta-feira, Regina acorda
sentindo oco, um vazio impreenchível, difícil de suportar. Levanta-se meio sem
disposição, estranhando o frio de agosto. A pele arrepiada incomoda de maneira
incomum. Pega o fósforo sobre o fogão, em câmera lenta, e quase não consegue
girar o botão que libera o gás do aquecedor. Espera a água esquentar. Testa com
a ponta do pé, depois com a palma da mão. Nada. Continua fria demais. Decide,
então, escovar os dentes enquanto a água do chuveiro aquece. Para não
desperdiçar, deixa chuveiro fraquinho. Assim esquenta mais depressa.
Não se reconhece no espelho, os cabelos
desgrenhados, os olhos cheios de saudades, a boca sem graça. Definitivamente,
acordara a pessoa errada. Em meio a confusão de sentimentos, passa pela cabeça
momentaneamente tratar-se do seu amigo de pano. Imagina ser um sonho,
ridiculariza o pensamento anterior. Mas seu cabelo está de tal modo desalinhado
que, ao abrir a porta do armário para apanhar, finalmente, a escova de dentes,
apanha o pente ao invés da escova, retira-o e fecha o armário. Ao se dar conta
daquela situação, irrompe uma vontade sem controle de chorar, ao mesmo tempo em
que uma gargalhada arrebenta nervosa.
Depois de algum momento sem saber se ri
ou chora, afinal, acalma-se. Devolve o pente ao seu lugar, apanha a escova e o
creme dental. Olha para o espelho, faz caretas como se a zombar dele. Começa a
escovação, lentamente. Aos poucos chega aos seus ouvidos o ruído da água do
chuveiro que deixara ligado para aquecer a água. Junto com o ruído da água, o
frio sobre pele. Sente como se estivera dormente aquele tempo todo.
Sexta-feira, repete para si. Sente uma necessidade enorme de entender o que
este dia pode significar dito daquele modo, de si para consigo.
Uma avalanche de lembranças recupera as
sextas-feiras em sua vida. Desde a promessa do pai de levá-la ao circo no
domingo, os encontros marcados e desencontros imprevistos, porém, marcantes. O
café engolido as pressas, a visão antecipada do percurso dentro de um ônibus
até o trabalho, as ruas, os prédios, Botafogo, Aterro, Flamengo etc.
Sexta-feira repercute no inconsciente, ainda sem saber ao certo o significado
deste dia naquele momento de sua vida. O onibus avança com o dia levando Regina
consigo.