sábado, 24 de julho de 2010

DEFASAGENS ENTRE O HUMANO E O CONCRETO


Se eu tivesse que dar um título diferente para este texto seria “O estranhamento do retorno ao mesmo-outro”. Antes que alguém estranhe, eu explico: semana passada eu escrevi sobre este tema, mas errei a mão. Ou seja, ficou parecendo que eu estava querendo criticar a selvageria do capitalismo, que já é, por sinal, muitíssimo discutida. Não é isto o que eu tenho interesse em discutir aqui agora.
Ocorre que a temática do eterno retorno, como um dado filosófico, é também um assunto batido, apesar de interessante. Mas ainda não é exatamente disto que eu desejo falar. A questão é a seguinte, algumas vezes, retornamos a alguns lugares e nos surpreendemos com as mudanças ocorridas durante o tempo em que estivemos ausentes. Nossos amigos já não têm a mesma cara, o mesmo corpo, os vizinhos já não são os mesmos, as ruas também mudaram, enfim, muito daquilo que guardávamos como lembrança e que, de algum modo, pensávamos encontrar, transformou-se ou desapareceu.
É assim comigo, imagino que seja com todo mundo. Evidentemente, nós também mudamos. Só que estamos nos observando no espelho durante todo o tempo, e, apesar das mudanças visíveis, não estranhamos. Sequer nos damos conta, por conveniência, talvez.
O retorno a que me referi anteriormente, diz respeito a processos históricos que ocorrem principalmente com as cidades em que as regiões centrais, antes residenciais, são transformadas em centros comerciais e/ou industriais, empurrando as famílias para as periferias distantes. De alguma maneira, as pessoas que antes habitavam as regiões centrais retornam a estes lugares e, decerto, não se reconhecem mais nos logradouros que ali se construíram. Outra coisa, estas pessoas retornam, não para matar a saudade ou para buscar se encontrar, mas para trabalhar, passar a fazer parte das ocupações do espaço que antes era seu.
Como no exemplo anterior em que eu me referia às mesmas pessoas, ao mesmo lugar, aqui também. É o que eu estou chamando de mesmo-outro. Em essência, são as mesmas referências, mas, concretamente, são outras. São as mesmas pessoas, mas essencialmente, são outras. Alguém há de lembrar-me de Heráclito, o filósofo, e daquela historinha sobre o homem que toma banho no rio etc. etc. Eu responderei com um “pois é”, destes recursos de linguagem a que recorremos, quando o assunto proposto não bate com o que queremos conversar..
Mas, além do que disse até agora, há um outro dado que me interessa comentar que é o seguinte: num caso e noutro falta se apresentar aquilo que se constitui o vetor mesmo transformador e beneficiário das mudanças, da transformação dos espaços. Pode ser que possamos chamar a este vetor de desenvolvimento, modernidade ou bestialidade. Novamente corro o risco do panfletário. Mas não é o meu desejo, lembro. Quem disse que, para que haja desenvolvimento, tem-se que desalojar o espaço residencial para a ocupação de empresas? Penso que os atuais shoppings centers mostram outra percepção. Mas não é ainda sobre isto que eu quero falar.
Quero falar do que fica, do que se vai com as transformações. Lembrando aqui aquele recurso da câmera acelerada que mostra em poucos segundos o movimento de um dia inteiro de ocupação dos espaços urbanos. Pessoas e carros enchem e esvaziam tais espaços do mesmo modo, todo dia. A cada dia são pessoas diferentes, predominantemente, que repetem o mesmo movimento. Esta imagem me serve para falar sobre a ocupação dos prédios construídos no processo de mudanças. Primeiro, em geral, são motivos econômicos que determinam a construção ou a demolição dos edifícios, sejam eles residenciais ou empresariais. Depois, uma vez construídos, são ocupados, durante algum tempo pelas mesmas pessoas, depois por outras, por outras e assim, indefinidamente. Parece que estamos a serviço de uma força invisível que nos induz a fazer o que fazemos, contrariando toda a ideia de racionalidade. Em alguns importantes centros urbanos é comum existirem grandes edifícios abandonados, quando não completamente vazios, ocupados por moradores de rua ou por desabrigados de outra ordem.
O que fica, depois de tudo, e à revelia da impressão que possamos ter de fazer e acontecer são os prédios, as praças, as ruas, os postes etc. Tudo aquilo cujo viver transcende a nossa compreensão. Estranho que o mesmo espaço de concreto passe a abrigar em ondas de tempo outras pessoas que imaginam, a exemplo das anteriores, possuí-lo.

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