terça-feira, 20 de julho de 2010

SOBRE O CONCRETO PERMANENTE


A abertura de uma avenida, a abertura de canais para uma linha de metrô, a construção de um condomínio empresarial, uma praça, um heliporto etc., empurra famílias inteiras para pontos distantes do seu lugar originário de moradia. Com isto se desestruturam sonhos e vidas para lugares cada vez mais distantes. Os centros das cidades ganham movimento e agitação num dado momento para, noutros, perder a alma e entregarem-se ao silêncio e ao desânimo.
O tecido das cidades se esgarça com a migração para as periferias. O espaço central é apropriado por empresas e outros empreendimentos para onde os migrantes retornam depois como atividade de labor ou de entretenimento. As distâncias se alongam e os laços desvanecem e refazem novos nós de amizade em outros lugares. Grupos esfacelados de amizades se reestruturam em novos ambientes e se forjam outros tecidos.
Os grandes percursos implicam deslocamentos demorados e cansativos. Por isto mesmo, destinos que antes pareciam comuns apartam-se e se reconstituem em lugares diferentes e sonhos incomuns. Criam-se linhas de ônibus, abrem-se corredores e implantam-se trilhos por onde trens enormes haverão de trazer de volta os antigos habitantes da região, desta vez, para trabalhar ou consumir.
Ninguém se dá conta de que retorna, num espalhar e juntar-se mecânico, imposto por leis de mercado, por determinação de outras explicações, que nunca levam em conta o desejo do indivíduo, mas a racionalidade concreta que permanece, mesmo depois que seus idealizadores e seus gestores se vão. Até parece que edificações, ruas e avenidas têm vontades próprias, que se impõe às aspirações das pessoas, por vezes, comunidades inteiras.
Há uma lógica que afasta as pequenas residências, os grandes quintais, os campos de pelada, os vizinhos, as brincadeiras de roda, os postes de iluminação, as ruas estreitas, para longe, e, em seu lugar, são plantadas largas avenidas, arranha-céus, lojas, bancos, shoppings etc. Aos poucos, sem que nos demos conta, uma rua, um bairro inteiro deixa de ser morada para tornar-se um centro de compras. As pessoas, que antes perambulavam por ali, com suas esperanças, desilusões e mais tudo o que possa ser característico de pessoalidade, dão lugar a outras transações, menos pessoais, mais empresariais, mais concretas.
Esta mesma lógica, que distende as distâncias e desestabiliza grupos de famílias e os joga em nova peregrinação, retira deles o chão sob o pés, oferece a possibilidade do salve-se quem puder, de ter que reconquistar seu espaço e sua dignidade pela força. O lugar do concreto armado é também o lugar do encanto, das posses. É o novo lugar do desejo. Certo que se dá a poucos, mas estimula a todos a buscá-lo, do modo como for conveniente.
Engendram-se argumentos de aço em altos muros de alvenaria, a pretexto de resguardarem-se contra aqueles que ameaçam recuperar seu lugar de origem. Contra os que, atraídos pelos encantos das novas ofertas de felicidade, não se contentam com pouco. É um caminho sem retorno porque os altos investimentos e a oferta de milhares de emprego justificam as blindagens de carros, a produção e o consumo em massa de armamentos, as corporações de segurança de valores etc.
As tecnologias sofisticadas de aparelhos de emissão e recepção de voz e imagem interligam não apenas as mansões, mas também as antenas das favelas e seus habitantes. Ao mesmo tempo em que sustentam a impressão de controle e segurança dos filhos dos ricos, conectam traficantes; e os sistemas de localização e bloqueio de presídios interferem nos interesses dos que utilizam os aparelhos, para produzir e distribuir o produto de seu trabalho. Uma parte prega contra a pirataria porque reduz seus ganhos, outra produz equipamentos com capacidade de produzir cada vez mais cópias de melhor qualidade. As tecnologias atendem muito bem a quem quer que saiba utilizá-las. Difícil é prever o que nos aguarda mais adiante.

Nenhum comentário:

Postar um comentário