domingo, 5 de setembro de 2010

BORBOLETAS BORBULHANTES


Meu olhar cruza o olhar dos demais e vai se prender à dança de duas borboletas que, para além do vidro da janela, rompem com o cinza e as sombras predominantes do pátio com suas cores vermelho e amarelo. Enquanto a turma inteira observa com atenção os slides projetados na parede, observo o frêmito das borboletas que sobem e descem, trocam de lugar num voo nervoso e inconstante.
Curioso que elas se postem no espaço exato em que a luz solar, rompendo a fronde da mangueira, ilumina uma fração do espaço, entre a lateral da sala e a espessa copa da árvore. O fundo cinza de uma banca de revistas contrasta com as cores vivas das borboletas inquietas, que assomam e somem repetidas vezes.
A impressão que eu tenho é que elas desejam mesmo chamar a atenção, roubar a cena, naquela manhã barthesiana. O movimento das asas, associado ao movimento que descrevem no espaço, não apenas adquire um desenho harmônico e repetido, mas simula algo que é da ordem do inverossímil.
Imagino tratar-se de uma dança de acasalamento, visto que, de instante em instante, quase se tocam, para, em seguida, se distanciarem uma da outra, num traçado circular, numa arquitetura de voo simples e exuberante. A incidência do sol faz alternar suas cores entre o amarelo vivo e o vermelho luminoso. São pequenas luminâncias que pontuam percursos em riscos de cera no ar.
Outras vezes tenho a impressão de que adornam aquela manhã em homenagem ao tema da exposição com que concorrem. A leveza, o silêncio e a beleza capturam não apenas o meu olhar, a minha atenção, mas, igualmente, abafam a voz do palestrante, a tal ponto, que não o consigo ouvir durante a maior parte do tempo. Absorto, prendo-me ao espetáculo com que meu olhar se deslumbra.
O vestido verde de uma das assistentes me chama a atenção pelo contraste produzido com as cores das borboletas. Vejo e revejo o verde do vestido, o amarelo e o vermelho e me pergunto o que mesmo relacionaria cada um destes pontos naquela manhã. Percebo, a seguir, que, na perna direita da assistente de vestido verde, atenta à exposição do assunto, há um sinal vermelho sobre a pele alva, logo acima do joelho.
Luto por manter a minha atenção na fala do expositor, ele demonstra conhecer bem o que expõe, mas não consegue que eu me atenha ao exposto. As borboletas se mantêm em sua apresentação, a assistente de vestido verde e sinal vermelho na perna, quase como uma mancha larga e esvoaçante, permanece impassível, os olhos voltados para os slides. Não há expressão de aprovação ou reprovação. Não há expressão alguma, apenas olha para frente, como a escutar o que é falado e a olhar o que é mostrado. Só isto.
Eu vejo suas pernas, a mancha vermelha no lado interno da perna direita e as borboletas inquietas na sua dança iluminada. Alguém mexe na cadeira, um pigarrear insistente, um sussurro, tudo me é perceptível com certo nível de inquietação, um cuidado preocupado de que trinquem aquele momento de cores atraentes, de movimentos matinais nunca experimentados por mim.
Concluída a exposição, os aplausos me parecem ser direcionados ao show das borboletas, que findam, afinal, sua apresentação. Ainda algumas perguntas, depoimentos pessoais de satisfação, de elogio ao expositor. Os agradecimentos de praxe. A sala vai-se esvaziando sob o ruído ensurdecedor das conversas que se multiplicam por todos os lados. Não tenho clareza sobre o que falam tantas pessoas ao mesmo tempo.
Meu olhar prende-se ao vidro da janela à espera de que as borboletas retornem à sua apresentação. A assistente de vestido verde e sinal vermelho na perna direita ergue-se devagar, olha para mim, olha para a janela, dá-me um sorriso e se vai sem revelar sua cumplicidade.

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