Há
tempo espero um ônibus que me conduza ao trabalho. Cheguei à parada às 7 horas
em ponto. Todos os que me servem passam lotados e nem param. Vejo que se
aproxima um ônibus que posso apanhar, mas que me deixa a três quadras do local
em que trabalho. Vem com muita gente já em pé, mas não está lotado. Dou sinal,
ele vai parar mais à frente. Corro e subo, topando nas pessoas que se alojaram
nos degraus da porta de entrada. Reclamam. Eu também. O trocador está com a
cabeça deitada sobre os braços, escorado na gaveta, parece que dorme. Toco-lhe
os braços e digo que vou passar. Forço a roleta, mas as pernas do trocador
emperram, não me deixam ir em frente.
Alguns
passageiros observam a cena com ar de riso. Toco a cabeça do trocador com
insistência. Ele se ergue, e me olha com indiferença, os olhos ainda apertados
de sono. Para pagar uma passagem de um real e trinta e cinco centavos,
entrego-lhe uma cédula de cinco reais. Ele me passa o troco de três reais e
sessenta centavos. Digo que está errado, ele, sem olhar para mim, mete a mão na
gaveta e entrega os cinco centavos que faltavam.
Vou
adiante, topando nas pernas de outros passageiros. Alguém resmunga alguma coisa
que não entendo, mas não paro: se eu não passar agora para a porta de saída,
quando chegar onde vou descer não conseguirei. A tendência é o ônibus encher
mais até lá.
Nas
curvas vai todo mundo para o mesmo lado, apertando-se uns contra os outros. Um
passageiro que cantava uma música desconhecida reclama com o motorista que este
está correndo muito. Passa poste, passa pasto, passa boi, passa boiada... as
coisas todas passam, velozes. Uma curva para o lado contrário, lá vamos nós,
juntos. Uma senhora com criança nos braços reclama, porque um jovem que acaba
de lhe espremer contra o banco não lhe cede o assento. Mal educado, grosseiro,
xinga.
O
jovem finge dormir, denuncia-lhe um sorriso mal disfarçado.
Uma
moça apressa-se para descer e vai machucando quem estiver pela frente. Pede,
aos berros, que o motorista pare no ponto seguinte. Ameaça denunciá-lo à
empresa, se ele deixá-la passar de onde deseja descer.
Passa
com os cotovelos abrindo caminho por entre corpos inermes. Respira ofegante
como se tivesse corrido quilômetros. Raspa-me os ouvidos com sua angústia e
aflição. Um senhor de chapéu de palha não dá notícia: dorme. A boca aberta
resseca-se com o ar que se desloca da janela aberta. Fitos na paisagem
acinzentada, pares de olhos apontam lados opostos com a mesma expressão:
anestesiados pelo tempo em que esperam as referências no deslocamento do ônibus
veloz. Acostumados estão com os fios dormentes, os meninos fardados que passam
para a escola, os ciclistas que andam para trás, os postes ligeiros, as casas
sem ninguém. Alheamento agudo, acostumado.
Desprego
os olhos donde fitava o mundo e percebo que se aproxima o meu ponto de parada.
Puxo o sinalizador e vou-me aproximando da porta de saída. O ônibus para
bruscamente, arremessa-me para frente; sinto-me pressionado por outras pessoas
que mal se seguram, dependurado no suporte de mão acima de suas cabeças. Xingam
o motorista, avisam que não transporta gado, exigem que tenha cuidado. O
motorista limpa as mãos na flanela ao mesmo tempo em que também limpa a direção
com ela. Engata a marcha e arranca forte, jogando os passageiros que vão em pé
para trás. O percurso ainda é longo e muitas outras paradas há até o ponto
final.
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