domingo, 21 de novembro de 2010

IMERSO NUMA SAUDADE IMENSA


O tempo é curto. No entanto, se gasta o tempo contra si. Lembra-se de ontem? A urgência era aproveitar bem enquanto estávamos juntos. A gente não esperava que as palavras amadurecessem no calor das pronúncias, colhíamos diretamente da boca um do outro. Talvez, até, as tocássemos ainda no coração. Éramos de tal modo feito pressa que sequer notávamos a ciranda dos ponteiros do relógio sobreposto contra nós. Num momento, como por impulso, hora de nos separamos. Cada um em sua casa, repetias. Mesmo assim, ainda eternizávamos um beijo de despedida, de até loguinho. Até já. O sol haveria de ser breve, e a noite nos uniria novamente.
O que foi feito de nós, que o tempo inteiro agora ainda não se basta? E nos olhamos em torno e não nos vemos. O que foi feito das palavras sob este silêncio rochoso que não conseguimos mover? O que foi feito do ardor que nos cobria a pele ou, melhor, nos ardia a carne exposta. O que foi feito do futuro que nos prometemos tanto? Que boca é esta que nos engole e não nos deixa escapar neste espaço imensurável, nesse nada, tão largo e renitente?
Cada um seguiu sua vida. Este é o equivoco. Minha vida não há onde não é a tua. Tua vida não existe onde não existe de mim coisa alguma. Cada um é neste instante uma promessa para o outro, mas fora de propósito em outros tempos. Certo que foram poucos dias, um mês e meio ou um pouco mais. Mas o que é que há em explicação a esta saudade secular? Não se explica, simplesmente. É tudo falta. É tudo vazio. É tudo negação e incômodo. Sequer há o que seguir. Estamos, estou num ontem eterno. Hoje para quê? Amanhã para quê? Liames evanesceram e já não existem passagens de um a outro tempo ou lugar.
Trago a delicadeza da primeira vez de teu rosto em minhas mãos como uma marca forjada a ferro em brasa. O alvor de tua pele como uma luz que desfaz a noite para sempre. O teu cheiro, o aroma de teus beijos como uma lembrança que não se realiza nem some por completo. O teu sorriso é o refúgio com que me escudo e atravesso os desertos da insônia feroz. É sob os teus cabelos que eu escondo meus medos e a solidão.
Uma colagem de frases remonta a cenários e cenas altamente enredadas em emoções pessoais. Sussurros que me pedem para ter paciência, para acreditar em algo que não se esclarece. Escuto meu nome pronunciado como uma confissão de amor, um êxtase cheio de desejo e temores. Há pedidos repetidos, insistentemente, para que eu entenda, para que eu pare, como uma negação vacilante. Ao mesmo tempo, há um tom de súplica que me pede para insistir. Ou seria só a minha vontade de prosseguir que me faz ouvi-la suplicar de tal modo? A lua derrama-se em ti e seu néctar rola abundante sobre o teu corpo, feito mel. O sol crepuscular espalha em teus seios pétalas de rosas vermelhas. O céu inflama-se e sugamos o sumo sagrado de nossas vísceras que nos sacia corpo e alma.
Neste momento, porém, trago o vazio de tua ausência entre os meus braços e as mãos cheias de saudade de um breve tempo de intensos e singelos fulgores. E já absorto em meus caminhos e pensamentos desperto para uma flor que me diz seu nome. Aliás, tudo em minha volta fala de ti, mesmo o silêncio abissal.
Mas, ao mesmo tempo, falta-me chão sob os pés, ao ímpeto de rios que me impulsionam sem direção, arrebatam e arrebentam as cordas que prendem ao cais, lanço-me só em precipícios de corredeiras e quedas d’água mais e mais. Enchem-me os olhos miragens de cores que trançam as paisagens e deformam-se em correria, desfiando-se ao longo das margens. Por instante, lembro o poeta moço de outras paragens cuja poesia precipita-se em barco bêbado descendo rios impassíveis.
O tempo é pouco. E, no entanto, gasta-se o tempo contra si.

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