
Dizem
que Eurico ficou rico sem mais nem menos, de uma hora para outra. Há quem diga
que ele acertou na loteria, que ele recebeu uma herança ou, ainda, que ele
arrancou uma botija com moedas de ouro. Só não falam que ele enricou
trabalhando. O certo mesmo é que dizem que Eurico ficou rico.
Os
que espalham que Eurico acertou na loteria juram de pés juntos que ele jogava a
mesma série de números há bastante tempo. De tanto insistir, acabou por acertar
e recebeu uma gorda bolada. Depois de assim se expressarem, riem com deboche:
“Bem que uma gordinha destas vale a pena” — dizem. Não satisfeitos, dão nome e
endereço da Loteca onde o jogo foi feito.
Os
que divulgam que Eurico recebeu uma herança, dizem que, apesar de todos saberem
que ele foi criado num orfanato e que nunca conheceu nenhum parente próximo,
chegou para ele uma correspondência dando conta que alguém do estrangeiro,
parece que um alemão, salvo engano, lhe havia deixado uma boa soma em conta
bancária, conta aberta em seu nome. Comentam que o falecido se dizia pai de
Eurico e deixou registrado em testamento que o resto de sua família não poderia
tocar na parte da herança que cabia a cada um antes que encontrasse e
entregasse, em mãos, o que cabia a Eurico. E assim foi feito. Até dizem saber
nome e sobrenome do tal pai de Eurico, mas alegam que estes nomes em alemão são
de difícil pronúncia e não conseguem falar assim, corretamente Franz alguma
coisa... Nestes casos, é melhor evitar pronunciar errado — dizem.
Os
que propagam que Eurico arrancou uma botija com moedas de ouro, contam uma
estória um tanto fantástica. Aliás, arrancar botija já é um acontecimento
fantástico. Mas, bom, contam que durante três noites seguidas Eurico recebeu a
visita de uma visagem que lhe prometia entregar uma botija cheia de moedas de
ouro enterrada sob uma raiz retorcida de uma gameleira, próximo de sua casa,
sem precisar o local.
A
primeira vez que a tal visagem apareceu foi logo prevenindo a Eurico que ele
não poderia contar seu sonho a ninguém, sob pena de não encontrar mais o ouro
na botija. Contou, inclusive, que outras pessoas já haviam recebido a mesma
informação, mas acabaram desenterrando um pote velho cheio de casas de
marimbondos-de-chapéu ao invés de ouro, porque não souberam guardar o segredo.
Disse ainda que ele deveria aguardar o momento exato para arrancar a botija,
que voltaria para dizer a ele quando.
A
segunda vez, a visagem disse exatamente as mesmas coisas. A terceira vez
acrescentou uma informação. Disse que, pela manhã, cedinho, ele deveria
dirigir-se a uma vila conhecida como Vila do Arraial, procurar a Barbearia da
vila e que, dentro da tal barbearia, observasse uma réstia de sol que ,
exatamente, às 10 horas estaria posta no chão da barbearia, em frente a ponta
do sapato do barbeiro. Com o passar do tempo, a réstia de sol iria subindo até
que coincidiria com a boca do barbeiro. Neste momento, ele ficaria sabendo onde
e como arrancar o seu tesouro. Assim Eurico fez.
Chegou
à Barbearia, ficou observando o chão. Durante algum tempo observando, não havia
nenhuma réstia. Haviam algumas pessoas esperando a vez para cortar o cabelo ou
fazer a barba. Eurico sentou-se no único lugar que estava vazio. Na hora
marcada, percebeu a réstia no chão, exatamente em frente à ponta do sapato do
barbeiro. Ficou quase olhando fixo, com receio de que ela sumisse. Havia um
alarido de conversas dentro da barbearia, mas ele não se dava conta do que
conversavam as pessoas. Aos poucos, a barbearia foi-se esvaziando e quando só
restava ele, coincidiu que a réstia postou-se no rosto do barbeiro, iluminando
a boca. Eurico estremeceu, sentiu as mãos suadas. No entanto, nada aconteceu
que pudesse revelar algo sobre a botija.
Ele,
um tanto desencantado, contou então a história para o barbeiro. Este riu e
tentou consolá-lo. “É assim mesmo, estas coisas não existem. Uma época me
aconteceu um caso parecido: uma pessoa, em sonho, dizendo que debaixo da
gameleira, que fica na margem direita do riacho Pau D’óleo, na passagem do
caminho que vai para a localidade da Cacimba de Beber, sob uma raiz retorcida,
havia uma botija de ouro. Eu, embora não acreditando nestas coisas, fui lá e só
encontrei um pote velho cheio de marimbondos-de-chapéu.”