
Vejo um tempo suspenso sobre flores. Alguma coisa que se sobrepõe e, ao
mesmo tempo, tende a despencar. Algo que se mostra estável e sustenta-se no
vácuo como uma iminência, desculpe-me a redundância (ou o paradoxo),
insustentável. Há páginas e páginas de textos, palavras enfileiradas num
desacordo sem fim, muita dissimulação, muitos gestos estudados e realizados com
o maior rigor, tratados infindos.
Angorás alados em voos rasantes sobre os gravatás. Tantos sonos
profundos pesam sobre seus pelos evanescentes, penugens de sol, virgens,
dilacerantes.
O que se apresenta através das coisas como uma materialidade atemporal
não tem face definida, mas tem corpo, o corpo escalavrado, recém-saído do
emaranhado da vida. O caráter transitório de cada uma dessas esfinges amplia o
existir da experiência do seu corpo, mas não goza do tempo de sua vitória,
não participa do seu futuro. O equívoco de se constituir singularidades
sustenta a farsa da festa e alimenta os conflitos em torno do que não existe a
não ser como miragem.
Contam-se os dias no aguardo de uma data qualquer: aniversário, dia de
pagamento, o dia em que alguém deve chegar, um evento que se deve realizar etc.
Esperam-se e deparam-se com todos os sentimentos e cargas emocionais que o
esperar traz, as ranhuras do tempo sobre a pele.
Os espasmos do corpo retesado em delírios de amor satisfeito. O sono
seguido de sonhos, a boca seca seca ainda mais, os poros rasos exalam o odor do
suor como um dilúvio tênue e encharca os lençóis.Afora os angorás, o céu
liquefeito ampara um azul surpreendente e calmo como um estio prenunciado.
Flores ainda aguardam a brisa prometida enquanto vão-se desabrochando
preguiçosas. O perfume preenche o espaço e suas cores matizam o dia em torno do
templo. O movimento que executam reflete o avanço dos detalhes das pétalas
rompendo o vazio e tomando lugar.
Enxames revoam em redor, colibris furta-cores embicam e rascunham no ar
desenhos diversos em fios de vôos. Estancam nas acácias para, em seguida,
refazerem rapidamente novas trajetórias.
Vejo o vento velando o um tempo de amores, um tempo suspenso com antes e
as promessas que rolando sobre flores em dias e dias de esperar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário