A
cada ano é lançado no mercado um automóvel que tem algum tipo de apelo rural:
jipes, pick-ups e utilitários outros com tração nas quatro rodas, pneus
abiscoitados, estepes na tampa traseira, estribos laterais, quebra-mato,
potentes e resistentes, enfim, os chamados off-road. Esta tendência poderia ser
atribuída a certo crescimento econômico do campo e ao aumento do poder de
compra de produtores rurais; no entanto, para além deste fato até visível, há
alguns dados que não podem deixar de ser observados: o esvaziamento das grandes
cidades em períodos de feriados prolongados ou mesmo nos períodos de férias de
trabalho e escolares – os meses de janeiro, fevereiro e julho.
Os
citadinos vão à busca de sítios, fazendas e do litoral, de preferência praias
pouco movimentadas, para experimentar a vida calma de lugares ainda não
urbanizados. Pelo menos, por alguns dias, podem-se respirar os ares do campo e
vivenciar as noites cobertas de estrelas e luar. Nestes casos, a comida caseira
toma o lugar dos fast-foods e as mesas de escritórios são substituídas por uma
boa rede e espreguiçadeiras em alpendres, debaixo de árvores ou entre
coqueiros. A presença de um violão anima cantores e cantoras resguardados a
soltar a voz e a realizar sonhos acalentados há anos.
Mas
há também um detalhe que não pode ficar de fora deste texto, um lugar bucólico
será tanto mais procurado quanto mais nele houver infraestrutura urbana: acesso
pavimentado, energia elétrica, telefones fixos, antenas de TV (parabólicas ou
por assinatura), computadores, acesso a intgernet etc. Em muitos casos, a fuga
para o campo não significa uma liberação das obrigações e os laptops estão aí
mesmo para que se aproveite o descanso e se realizem tarefas inadiáveis.
Os
novos campesinos contaminam o espaço rural com suas manias de urbanidades,
estabelecem fronteiras não muito claras de costumes entrelaçados. Cercam-se de
auxiliares nativos que observam e experimentam os hábitos tecnologizados, e com
a continuidade desejam para si, misturando-os aos seus de origem.
Por
outro lado, nativos do campo fazem o percurso inverso. Uma vez migrados para os
espaços urbanos, tratam de buscar, adquirir e usufruir o que podem. Os
migrantes camponeses instalados nas cidades buscam amplos quintais com árvores
frutíferas e onde possam criar galinhas, perus, capotes, bodes, porcos; buscam
âncoras que os mantenham de algum modo presos à origem campesina. A alma cheia
de sensações confusas e indeterminadas não consegue estreitar o espaço
fronteiriço entre os ritos originais e os novos rituais urbanos. É comum que
alguns instalem objetos urbanos dentro de casa como modo de reduzir as
diferenças e identificar-se com aqueles que já estavam lá como habitantes
urbanizados quando chegaram: estantes com coleções de livros que nunca serão
lidos, televisão, geladeira, aparelho de som, computadores. Os benefícios da
tecnologia impregnam o espírito e depois de algum tempo sentir-se-á estranho no
campo e saudoso na cidade. Experimenta um esgarçamento em que não se sentirá
mais campesino e nem urbano porque será uma mescla dos dois.
As
pessoas que fogem para sítios e fazendas nos feriados prolongados e outros
períodos de descanso têm a vantagem de retornarem à cidade, seu lugar de
moradia, no fim do período; enquanto que o migrado dificilmente retorna para
morar no campo. Os que conseguem um nível de vida melhor passam a retornar de
vez em quando, para matar a saudade em momentos em que o trabalho e os
compromissos permitam, compram seu lugar de lazer. Retornam como urbanizados,
cheios de sotaques e manias adquiridos. Os que se instalam na periferia nunca
serão urbanos nem jamais voltarão a ser camponeses.
Nenhum comentário:
Postar um comentário