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Teresina acolhe por confiança os náufragos. Extenuados, sob a luz que encandeia solitários andarilhos, abrigam-se resguardados em marquises mais urgentes, em telhados ociosos, em latadas providenciais. A rigor não conduzem mais nada além da alma aflita ou do coração à espreita. E com vagar aguardam o tempo de seguir em frente. Aos poucos, penetram os rios e as amizades. Fincam pé e alguns fincam a vida no chão batido e petrificado do corpo árido da cidade.
O encanto das pessoas seduz e pretexta o ficar-se, como quem se justifica sem convencimento. O calor lá fora explica o desejo da sombra. As noites não contam como razão de ir-se porque, porque, bem... à noite correm-se riscos. Melhor não ocorrer.
A amizade, a vizinhança, um emprego à vista. As raízes vão penetrando a terra e os laços embaraçando-se num permanecer sem paradeiro. Difícil desalinhar.
Melhor pensar nos filhos a criar e na cerveja gelada em que se fartam os desejos e as conversas providas em mesa de bar. A música que flui de todos os lados e a alegria desmedida dos que estão à volta, por qualquer motivo. Melhor ficar por algum tempo. Partir é uma promessa no horizonte que se afasta à aproximação.
Aos poucos se perdem as diferenças, e os estranhamentos se confundem com sentimentos próprios. Eles se transmutam em nós. Não mais há fronteiras possíveis. Já quando tem que enunciar, a origem gagueja, duvida, mostra incertezas. Os traços físicos são a única pista que denuncia uma história longa e complicada de buscas. É o espelho que produz a adversidade, a alteridade.
As margens se fundem e os traços de contorno transformam-se em traços de união. As palavras se apropriam e os gestos mimetizam o ser e a paisagem. As passagens são pontes que conduzem ao ir e vir. Mas as possibilidades de retorno prometem, ou melhor, ameaçam ruir o tempo de outros lugares. Carece sejam arrancadas e retiradas as raízes com dor estúpida.
Teresina recicla os migrantes e seus anseios. Apaziguados, à luz que ilumina a vida, cada um é parte dos que habitam a cidade e sorvem seus sonhos. As ruas e as avenidas têm destino conhecido, nomes familiares e até são cenários de histórias pessoais. Os bairros são lembranças dos endereços e das comunidades de que se fez parte. Quem, por acaso, puxar um fio determinado da história da cidade terá, certamente, de mencionar nomes, pessoas que partilham há muito as experiências de vivenciar a cidade. É de alguém que se conhece de que se fala. É de um lugar comum a que se refere nas conversas do cotidiano. Pessoas que se perdem e se lamentam, outras que nascem e passam a conviver, dividindo tempo e espaço enquanto se fiam pavios nos interstícios dos nomes que povoam o círculo de amizades.
Endereço fixo, com Código de Endereçamento Postal e tudo. Colégio dos filhos, trabalho diário, entretenimento e consumo dos bens que a cidade oferta: cinema, supermercado, teatro, transporte etc. Teresina é um lugar para o qual se retorna sempre, mesmo que em viagens mais demoradas. A referência onde ancora destinos, necessariamente.
Convites e compromissos nos finais de semana. Presença certa em solenidades e testemunho de fatos inesquecíveis na vida de outras pessoas. Lembranças dos traços que a cidade já não apresenta e deslumbramento nos novos modos de se apresentar ao mundo. Divisão de planos para as vias prometidas e que devem conduzir todos ao futuro com mais conforto e segurança. Expectativa de comemorar as datas da família, da cidade, do país no decorrer do ano. Ano após ano. Atravessar as missões com o cuidado de quem preserva a promessa de retribuir à cidade o bem do acolhimento, em momento de dúvida e desejos insustentáveis.
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