terça-feira, 31 de janeiro de 2012

IRMANDADES EM COLAPSO


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          Diz o irmão, na condição de responsável pela família na falta do pai, que de início aguardava que todos falassem para, então, manifestar-se. No entanto, dado que muita coisa estranha fora dita, achou por bem falar. Seu desejo é preservar a imagem da família e, especialmente a de sua irmã que parece desorientada com tanta gente perturbando aquele momento especial, a sua lua de mel.
          De fato, a noiva emudece, olha perplexa para aquela multidão em cima de sua cama e não entende o que está acontecendo. Ela só deseja o momento em que o casal deve pronunciar a frase consagrada pela tradição: “em fim, sós”. O que a deixa ainda mais desnorteada é que, ao que parece, todos que ali estão desejam falar. E falar coisas sobre as quais ela não tem a menor vontade que venham a baila naquele ou em outros momentos. O sonho da lua de mel torna-se um pesadelo sem fim. Cada um que se pronuncia parece um boquirroto, um saco furado, revelando segredos e passagens íntimas que deveriam estar no esquecidas no passado de cada um.
          O irmão, único homem da família, parece acabrunhado com tantas coisas que ouvira até então, mas também não deseja silenciar para não parecer que concorda com todos os absurdos ditos na ocasião. Pensa consigo que “quem cala consente”. Não aceita isto, de modo algum.
          Tema sua irmã em boa conta, foi criada sob rígida orientação da mãe, como todos os outros. Não permite que sua honra seja enlameada do modo como estão querendo. Fala de momentos da infância onde sua irmã sempre comportou-se com timidez e com reservas. É uma pessoa discreta, bem formada, de boa índole. Grande parte do que foi dito não tem razão de ser. Quando alguém questiona o que ele poderia ter vindo fazer ali, ele dá de ombros e responde que é o irmão que assumiu o lugar ausente do pai, que tem responsabilidade sobre sua irmã, ninguém melhor do que ele para estar ali. Todos os outros deveriam perceber o ridículo de estarem ali e irem-se sem falar mais nada, não há necessidade, já falaram bastante. Apela a que todos se retirem, que deixem a sua irmã em paz.
          A irmã, que se mantivera apenas observando tudo, interrompe o irmão para declarar amor a sua maninha, reforçando o apelo para que todos deixem o local e parem de importunar a noiva que só deseja consolidar o seu casamento. Ela fala de sonhos havidos em noites anteriores, de uma cartomante, de um mago, de um padre, um feiticeiro, um pajé ... todos haviam previsto o que estava acontecendo ali. Ela que não prestou muito a atenção e nem levou em conta as previsões. Mas ela pode muito bem saber o que resultará de tudo isto, não pode acabar bem, a continuar do modo como está.
          Os dois se encaminham para a noiva, a abraçam longamente. Ouve-se um soluço, vários soluços. Um cochichar nervoso como se orassem ao mesmo tempo orações diferentes. Ajoelham-se ao seu redor e mais uma vez se abraçam e choram, desta vez alto, para que todos ouçam.
             Vez ou outra, um ou outro olha para trás na esperança de que todos tenham-se ido. No entanto, ninguém arreda pé, permanecem aonde estão, atentos a tudo. Pelo visto cada um aguarda a sua vez de falar.

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