Diafragma da câmera em 16.0 e o obturador em 1/12.000, não apenas para fixar uma imagem em alta velocidade, mas para não permitir que sature a luminosidade. Que vele o filme. É assim que se desenham imagens na película, no filme fotográfico ASA 100. O sol imenso imerso no azul do céu de olho espichado no mundo e a luz intensa assombram as sombras que desanimam sob as árvores esbaforidas.
Tintas frescas de cinza e marrom matizam a superfície da terra entre vãos de asfalto e cimento aquecidos. Nada de pé em pele, nada de caminhar descalço. Ninguém se arrisca. Calor a pino desfaz em pasta o sorvete antes que alcance a língua jogada a esmo, em ondas de doce esperança.
O ar morno materializa-se na respiração e amorna as narinas canal adentro no meio do tempo, em todos os lugares. Torneiras abertas, mangueiras ligadas, chuveiros chovendo, só enquanto. A pele evapora logo após. A roupa resguarda um tiquinho do frescor da água embebida por mais um pouco.
Os olhos cerram para ver lá fora o mundo velho pegando fogo. A boca ressequida recupera a saliva e pigarreia no nada. Sertão, o verso contorcido feito marmeleiro finge que se embrisa, finge que descansa no varal. Cada um diz o seu como pode, conforme Deus lhe dá. Cada um é cada um, está dito.
Sertões são tantos, diversos. E o sertanejo em sua peleja não se dá conta de hoje, tudo é para amanhã. Agora é só hoje, um instante que passa logo. Não carece pressa. Planta, reza, canta, festeja batizados, casamentos, dias santos e outras datas. Vaqueiro, agricultor, carpinteiro, pintor etc. Ser tão diverso, sertão de versos.
Noite feita e a lua abarca cada cantinho do mundo. Luz posta em breu, noite profunda. No fogão, o sol definha a lenha sob panelas de barro. A conversa enche a boca e se espera o tempo de comer. A imagem fotográfica refaz texturas e outros enquadramentos. As luzes atormentam mais vagar.
Noite, ainda, e as pessoas se inquietam com o calor, espiam a lua e não entendem por que o tempo continua quente. Entabulam conversas sobre o derretimento das geleiras, o aquecimento da terra, o efeito estufa. Nenhum argumento tem explicação outra. É mais um necessário esperar passar o tempo. É mais um esperar passar o calor, em algum momento, nem que seja após muitos meses. É quase um não pensar, um pensar inútil.
Daqui a pouco é hora de tentar dormir, esperar o dia seguinte sem a ansiedade de quem vigia, de qualquer vigília. Dormir, simplesmente. Depois, na repetição das horas, a diversificação de cada um. O modo de perceber as coisas, de refazer sua rotina, de criar para si o interesse. É o modo de se deixar esquecido, que, embora aquecido, o dia é só mais um. A marcação no calendário deixa ver o ano inteiro enfileirado, um dia após outro. Melhor viver um de cada vez, frio ou quente. Viver.
Madrugada feita, o feirante rumo à feira, o pescador rema para onde imagina possa encontrar seu pescado, as mulheres cuidam de si e dos seus. As luzes vão-se aos poucos, dando forma ao mundo e às coisas. Um pouco do que foi frescor e carícia torna-se calor e abarca a terra inteira.
Após a alvorada o sol há de espichar seu olho e assim ficar em curva longa e lenta sobre nossas cabeças. Nem para pensar. É tanta gente em movimento que a energia que daí deriva torna tudo este forno. É tanta gente acendendo alguma coisa em algum momento, que ninguém se dá conta que está tocando fogo no tempo. É tanta gente tomando café quente em meio aos 40 graus do dia que parece até inverno pleno.
Observando deste lugar, dá para imaginar que deve ter sido assim que pensou o pintor, autor deste quadro na parede. O movimento do pincel parece descrever um açoite sobre o corpo da tela, misturando traços, figurando gente, separando luz e sombra.
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