sábado, 26 de dezembro de 2009

EURICO FICOU RICO




Dizem que Eurico ficou rico sem mais nem menos, de uma hora para outra. Há quem diga que ele acertou na loteria, que ele recebeu uma herança ou, ainda, que ele arrancou uma botija com moedas de ouro. Só não falam que ele enricou trabalhando. O certo mesmo é que dizem que Eurico ficou rico.
Os que espalham que Eurico acertou na loteria juram de pés juntos que ele jogava a mesma série de números há bastante tempo. De tanto insistir, acabou por acertar e recebeu uma gorda bolada. Depois de assim se expressarem, riem com deboche: “Bem que uma gordinha destas vale a pena” — dizem. Não satisfeitos, dão nome e endereço da Loteca onde o jogo foi feito.
Os que divulgam que Eurico recebeu uma herança, dizem que, apesar de todos saberem que ele foi criado num orfanato e que nunca conheceu nenhum parente próximo, chegou para ele uma correspondência dando conta que alguém do estrangeiro, parece que um alemão, salvo engano, lhe havia deixado uma boa soma em conta bancária, conta aberta em seu nome. Comentam que o falecido se dizia pai de Eurico e deixou registrado em testamento que o resto de sua família não poderia tocar na parte da herança que cabia a cada um antes que encontrasse e entregasse, em mãos, o que cabia a Eurico. E assim foi feito. Até dizem saber nome e sobrenome do tal pai de Eurico, mas alegam que estes nomes em alemão são de difícil pronúncia e não conseguem falar assim, corretamente Franz alguma coisa... Nestes casos, é melhor evitar pronunciar errado — dizem.
Os que propagam que Eurico arrancou uma botija com moedas de ouro, contam uma estória um tanto fantástica. Aliás, arrancar botija já é um acontecimento fantástico. Mas, bom, contam que durante três noites seguidas Eurico recebeu a visita de uma visagem que lhe prometia entregar uma botija cheia de moedas de ouro enterrada sob uma raiz retorcida de uma gameleira, próximo de sua casa, sem precisar o local.
A primeira vez que a tal visagem apareceu foi logo prevenindo a Eurico que ele não poderia contar seu sonho a ninguém, sob pena de não encontrar mais o ouro na botija. Contou, inclusive, que outras pessoas já haviam recebido a mesma informação, mas acabaram desenterrando um pote velho cheio de casas de marimbondos-de-chapéu ao invés de ouro, porque não souberam guardar o segredo. Disse ainda que ele deveria aguardar o momento exato para arrancar a botija, que voltaria para dizer a ele quando.
A segunda vez, a visagem disse exatamente as mesmas coisas. A terceira vez acrescentou uma informação. Disse que, pela manhã, cedinho, ele deveria dirigir-se a uma vila conhecida como Vila do Arraial, procurar a Barbearia da vila e que, dentro da tal barbearia, observasse uma réstia de sol que , exatamente, às 10 horas estaria posta no chão da barbearia, em frente a ponta do sapato do barbeiro. Com o passar do tempo, a réstia de sol iria subindo até que coincidiria com a boca do barbeiro. Neste momento, ele ficaria sabendo onde e como arrancar o seu tesouro. Assim Eurico fez.
Chegou à Barbearia, ficou observando o chão. Durante algum tempo observando, não havia nenhuma réstia. Haviam algumas pessoas esperando a vez para cortar o cabelo ou fazer a barba. Eurico sentou-se no único lugar que estava vazio. Na hora marcada, percebeu a réstia no chão, exatamente em frente à ponta do sapato do barbeiro. Ficou quase olhando fixo, com receio de que ela sumisse. Havia um alarido de conversas dentro da barbearia, mas ele não se dava conta do que conversavam as pessoas. Aos poucos, a barbearia foi-se esvaziando e quando só restava ele, coincidiu que a réstia postou-se no rosto do barbeiro, iluminando a boca. Eurico estremeceu, sentiu as mãos suadas. No entanto, nada aconteceu que pudesse revelar algo sobre a botija.
Ele, um tanto desencantado, contou então a história para o barbeiro. Este riu e tentou consolá-lo. “É assim mesmo, estas coisas não existem. Uma época me aconteceu um caso parecido: uma pessoa, em sonho, dizendo que debaixo da gameleira, que fica na margem direita do riacho Pau D’óleo, na passagem do caminho que vai para a localidade da Cacimba de Beber, sob uma raiz retorcida, havia uma botija de ouro. Eu, embora não acreditando nestas coisas, fui lá e só encontrei um pote velho cheio de marimbondos-de-chapéu.”