sábado, 13 de fevereiro de 2010

FELIZ ANIVERSÁRIO


Regina pensa num modo de se aproximar mais das pessoas e fazer amigos agora que está mais confiante e um pouco mais ambientada na cidade. Aproveita que vai fazer aniversário na sexta-feira e começa a curtir a idéia de uma reunião em sua casa, no sábado. Sábado tem sempre uma alegria diferente, tem luminosidade festiva, alto astral, justifica-se. Descarta as referências que aproximem sua “reunião de aniversário”, prefere chamar assim, de uma festa com balões, velinhas, canto dos parabéns. É só uma reunião entre amigos, em sua casa, por ocasião da passagem de seu aniversário.
Conversa com suas colegas de trabalho mais próximas, recebe apoio com carinho. No decorrer da semana, compra o que lhe vem à cabeça, para os comes e bebes: vinho, refrigerante, cerveja, sucos, iogurtes, e salgados; não quer que ninguém saia sem se servir. Decide comprar o bolo numa dessas lojas que já vendem bolos prontos; em geral, são muito gostosos e bem ornamentados. O resto é muita conversa na companhia dos amigos.
Aproxima-se a data e, sem que saiba direito a razão, começa a ficar ansiosa preocupada com a possibilidade de não vir ninguém à sua reunião de aniversário. Embora procure pensar noutras coisas e até mesmo nos preparativos para a recepção aos convidados, de vez em quando corre um frio na barriga que a assusta. Pergunta-se o porquê desta sensação, mas não encontra motivos. Quase todas as pessoas a quem convidou confirmaram presença. Um ou outro não pôde comparecer, mas, assim mesmo, fizeram questão de se explicar.
Sexta-feira, a noite custa a passar, surge uma insônia que há tempo não experimentava. Sábado, mal amanhece, Regina salta da cama e vai consultar a sua lista de tarefas agendadas para os últimos ajustes. A faxineira que combinara chegar cedinho não aparece até as nove da manhã. Chega de cara amarrada. Regina acha melhor não reclamar e até tentar alegrá-la, puxa conversa, mas não encontra espaço para nenhum progresso. Procura saber o que está acontecendo, não recebe resposta. Regina percebe que em alguns momentos pinta uma cara de choro. Melhor mesmo não insistir: está fazendo o trabalho direitinho, não quer conversar, então, tudo bem.
A lavanderia entrega as toalhas de mesa e a roupa de cama no horário marcado. A floricultura, também, atende com pontualidade. O apartamento florido, limpo, brilhando para receber os convidados. Regina confere cada detalhe, o bufê só fará sua entrega um pouco antes das 20 horas, quando começam a chegar os primeiros convidados. Passa e repassa todos os detalhes. Tudo em ordem. A faxineira faz seu serviço, recebe o pagamento combinado e se vai sem dizer palavra.
Se antes Regina contava os dias da semana, numa contagem regressiva, agora, conta os minutos, no relógio da sala de jantar. Aproveita a tarde para ir ao cabeleireiro e apanhar a roupa encomendada numa loja, próximo de casa. Retorna ao seu apartamento por volta de 17 horas. O tal frio na barriga continua a incomodar.
Precisamente às 19h15 toca o telefone. Regina para um instante até ter certeza de que não é o interfone que está chamando. Ri um riso nervoso ao se dar conta que não haveria como confundir as duas chamadas tão diferentes. Atende, um de seus convidados pede desculpas, mas por conta de um destes imprevistos de última hora não poderá ir à sua reunião de aniversário. Depois outro, mais outros. Cada um tem um motivo diferente, uma explicação de última hora. Enfim, toca o interfone: a única vizinha do prédio, com quem se dá e que havia convidado, também não poderá comparecer.
20 horas, chegam os salgados, os doces e tudo o mais que havia encomendado ao bufê. Regina recebe e indica o lugar onde devem por cada coisa. Efetua o pagamento e não dá mostra de apreensão, embora já não acredite mais que venha alguém à sua reunião de aniversário.
Às 21:30h, diante da mesa posta, o apartamento vazio, move-se ao som baixinho da voz de Gal Costa cantando uma música do Djavan: “hoje eu não ligo a TV nem mesmo para ver o Jô, não vou sair, se ligarem não estou...”, Regina percebe que sua reunião de aniversário está prejudicada. Abre uma garrafa de espumante, põe um pouco na taça, vai sentar-se no sofá da sala, toma o espumante e fixa a parede em frente, sem a menor vontade de qualquer coisa. Rompe a sua desatenção uma libélula assustada, que entra pela janela, esbarra na parede, vai de encontro à luz acesa e faz um barulho seco e incômodo com suas asas inquietas.

domingo, 7 de fevereiro de 2010

ANGORÁS ALADOS



Vejo um tempo suspenso sobre flores. Alguma coisa que se sobrepõe e, ao mesmo tempo, tende a despencar. Algo que se mostra estável e sustenta-se no vácuo como uma iminência, desculpe-me a redundância (ou o paradoxo), insustentável. Há páginas e páginas de textos, palavras enfileiradas num desacordo sem fim, muita dissimulação, muitos gestos estudados e realizados com o maior rigor, tratados infindos.
Angorás alados em voos rasantes sobre os gravatás. Tantos sonos profundos pesam sobre seus pelos evanescentes, penugens de sol, virgens, dilacerantes.
O que se apresenta através das coisas como uma materialidade atemporal não tem face definida, mas tem corpo, o corpo escalavrado, recém-saído do emaranhado da vida. O caráter transitório de cada uma dessas esfinges amplia o existir da experiência do seu corpo, mas não goza do tempo de sua vitória, não participa do seu futuro. O equívoco de se constituir singularidades sustenta a farsa da festa e alimenta os conflitos em torno do que não existe a não ser como miragem.
Contam-se os dias no aguardo de uma data qualquer: aniversário, dia de pagamento, o dia em que alguém deve chegar, um evento que se deve realizar etc. Esperam-se e deparam-se com todos os sentimentos e cargas emocionais que o esperar traz, as ranhuras do tempo sobre a pele.
Os espasmos do corpo retesado em delírios de amor satisfeito. O sono seguido de sonhos, a boca seca seca ainda mais, os poros rasos exalam o odor do suor como um dilúvio tênue e encharca os lençóis.Afora os angorás, o céu liquefeito ampara um azul surpreendente e calmo como um estio prenunciado.
Flores ainda aguardam a brisa prometida enquanto vão-se desabrochando preguiçosas. O perfume preenche o espaço e suas cores matizam o dia em torno do templo. O movimento que executam reflete o avanço dos detalhes das pétalas rompendo o vazio e tomando lugar.
Enxames revoam em redor, colibris furta-cores embicam e rascunham no ar desenhos diversos em fios de vôos. Estancam nas acácias para, em seguida, refazerem rapidamente novas trajetórias.
Vejo o vento velando o um tempo de amores, um tempo suspenso com antes e as promessas que rolando sobre flores em dias e dias de esperar.