segunda-feira, 30 de maio de 2011

LIMITES DA EXPERIÊNCIA URBANA


Tenho um fascínio pelo universo das cidades. Quando escuto esta palavra em algum lugar, paro para ouvir do que se trata. Entendo que uma cidade é sempre descrita a partir de impressões pessoais bastante localizadas, por mais que quem a descreva busque referir-se a diversidades, apontando bairros e situações. Comparo uma cidade com aquela cena dos cinco pânditas cegos que, apalpando pontos diferentes de um elefante, tentam descrevê-lo. Cada um deles descreve o elefante segundo o lugar que apalpa.
E as particularidades não são apenas físicas; a experiência não se constitui apenas das visualidades. Os prédios, os logradouros públicos etc. estão em tudo o que se experimenta, até mesmo o sabor de um sorvete de fruta típica ou o banho em um rio ou lagoa. As impressões produzidas pela experiência são, por assim dizer, essencialmente sinestésicas. Cada sensação será tanto mais particular quanto mais a visita for motivada por interesses de especialização profissional. Quero dizer, se o visitante for, digamos, um publicitário, vai conhecer em Teresina, por exemplo, além das agências e do hotel ou residência em que esteja hospedado, claro, alguns bares, produtoras e, talvez, veículos de comunicação. A impressão que alguém assim leva da cidade é a mais restrita possível. Alguém pode argumentar que não é bem assim porque a cidade é pequena, e, entre um lugar e outro o visitante passará por ruas e avenidas que lhe darão uma visão mais abrangente. Eu digo que os lugares de trânsito e as paisagens enquadradas pelas janelas dos automóveis parecerão mais postais deformados que em quase nada correspondem à realidade do lugar.
Tenho visto pessoas se referirem a lugares que nos são comuns, que, para mim, em nada correspondem à descrição que ouço. Ambos apalpamos pontos diferentes e nos sensibilizamos por outros sentidos. Lembro de um amigo que se referia à cidade de São Luis com um certo tom de deboche, porque, segundo ele, em todos os lugares que conheceu na cidade viu gays. Disse isto e acrescentou que até o guia de sua excursão era gay. Pode ser que esteja a explicação, experienciou um lugar com características bastante marcadas. Eu, pessoalmente, tenho outra impressão de São Luis. Nem me detenho no lado preconceituoso, o que desejo é discutir os limites da experiência e daquilo que uma cidade se deixa revelar a cada um que a experimenta.
Penso que mesmo as pessoas têm um pouco esta complexidade, revelam-se a cada um de modo diferente. Quantas vezes conhecemos alguém e temos uma impressão que depois vai se modificando para melhor ou para pior. Ou mesmo, noutros momentos, ouvimos declarações acerca de pessoas que conhecemos e que em nada combinam com aquelas impressões que temos. Se uma pessoa pode ser assim multifacetada, imagine-se uma cidade com todas as suas interfaces, em toda sua complexidade. Muitas ofertas nos tentam seduzir por motivos tantos que nem imaginamos. Isto que ocorre com pessoas também experimentamos com poemas, pois cada vez que os lemos descobrimos novos sentidos. Outros sequer gostamos à primeira leitura, depois, aos poucos, vamos aprendendo a gostar mais e mais.
As contradições e as peculiaridades todas das pessoas, dos poemas, das músicas se entrelaçam no tecido citadino num emaranhado de sensações e sentidos que não cessam nunca de se transformar, embora se mantendo os mesmos o tempo todo. O olhar, a visada é que se impregna de desejos, contaminada que está pela memória de cada um que as situações, assim como as expectativas que têm de si e do que está em seu entorno.