segunda-feira, 16 de maio de 2011

OS SEIS SENTIDOS


O primeiro não consegue se fixar num mesmo lugar, por período superior a três minutos. A roupa incomoda, as pernas cansam, os braços não encontram lugar. É como alguém que não define seu espaço. Atribui sua insatisfação ao fato de que a pessoa com quem namora não lhe dá ouvidos. Quando está com ele parece sempre ausente, distante de tudo, alheia ao que lhe é importante. Às vezes, responde com murmúrios incompreensíveis a perguntas que exigiriam reflexão e alguma argumentação. Outras vezes sequer responde. É como se, simplesmente, não o ouvisse. Este abismo parece não ter início nem paradeiro.
O segundo experimenta sua insatisfação numa dolência que dá dó. Não tem vontade para nada, não consegue dormir bem, mas também não se sente inteiramente acordado para a vida. Sente falta do calor da pele de sua amada. Há meses, ela viajou e não disse nada, nem para onde ia, muito menos quando voltará. A paixão entre os dois está de tal modo ardente que ele desenvolveu uma dependência física do contato com o corpo da namorada. Não deixa de fazer quase nada. Vai ao trabalho, embora não consiga trabalhar. Alimenta-se, mesmo que fora dos horários e em quantidade insuficiente. Vive sua carência de contato com o corpo amado, com dificuldades.
O terceiro, dantes uma pessoa saudável, praticante de futebol de salão, com dotes atléticos, agora anda amofinado. Diz que não consegue comer nada porque em tudo deseja sentir o gosto do beijo de sua ex-amada, e como ele não encontra correspondência, acaba ele também perdendo o gosto. Enquanto não sentir o tal sabor, nas coisas que o alimentam, não interessa mais nada. Ocorre que a boca da qual sente falta do sabor não mais está com ele, foi embora com um artista de circo.
O quarto sofreu uma isquemia e, no decorrer dos procedimentos médicos, acabou ficando sem o olfato. Não sente nenhum cheiro. Imagine que ele agora parece bem, forte e corado, melhor afeiçoado do que antes. No entanto, é de uma tristeza que dá pena. Alegria para quê, se não consegue sentir o cheiro dos alimentos, das coisas à sua volta, o cheiro do mundo. Sonha e tem pesadelos porque as situações que se lhe aparecem em imagem de sonho trazem sempre a expectativa de sentir o cheiro de algo ou de alguém e, no momento seguinte, esta expectativa é frustrada. Acorda desesperado. Vive fazendo tratamentos, dos mais convencionais aos mais exóticos. Remédios homeopáticos, alopáticos, passes em casas espíritas, rezas em benzedeiras, chás de todo tipo. Se, por um lado, não tem conseguido recuperar a capacidade de sentir aromas, por outro, está vendendo saúde. Mas, para ele, isto não é conforto.
O quinto desenvolveu uma neurose obsessiva porque, em sua última visita ao médico oftalmologista, apareceu a suspeita de que sofre de uma doença degenerativa incurável que acabará resultando em cegueira. Ainda não há um diagnóstico conclusivo, mas as reações do médico lhe têm trazido preocupações. O tempo inteiro fica a observar as aranhas que surgem em sua visão. Os médicos têm dito que estas pequenas aranhas são comuns depois de certa idade, mas ele não se conforma. O que mais o angustia é que as tais aranhas parecem invadir o rosto de sua mulher, no momento mesmo em que se olham com desejo.
O sexto meteu-se com práticas esotéricas e deu para pressentir acontecimentos. A morte de alguém próximo. Acidentes de toda ordem: desde o rompimento de um cano na casa do vizinho até o abalroamento de trens e carros, em quase tudo quanto é parte do mundo. No princípio, nunca havia pensado em enveredar por esta área em sua vida. Mas, de tanto assistir a programas de televisão sobre rituais esotéricos, acabou ficando fascinado e descobrindo-se um médium com nível elevado de percepções sensoriais pouco explicáveis, a não ser pelo caminho da mediunidade. Mas o que ele não entende é por que isto não lhe traz felicidade.