domingo, 12 de fevereiro de 2012

CONFLITOS FILIAIS



          A filha adolescente, tímida, aguarda o seu momento de manifestar-se, quase que escondendo-se por trás da avó. Sentindo que uma pausa mais longa se inicia, decide falar. E começa, com a voz em tom quase inaudível, trêmula. Diz que está ali porque sua avó a trouxe, mas que não se sente bem pagando aquele mico. Escutou com atenção tudo o que até então foi dito e que se sente constrangida de participar daquela situação.
              À média em que vai falando, vai soltando-se e a voz ganha firmeza. Sabe que entre os que falaram há muita coisa a ser percebida: desde o cuidado exagerado que a avó demonstrou até inveja, falsidades e outros sentimentos igualmente ruins. Não menciona mais ninguém, mas olha para as pessoas à sua volta com certo desdém.
          Dirige-se à sua mãe, dizendo que ela não precisava estar passando por aquela situação, que a preveniu e que ela, a mãe, sabe o quanto tudo aquilo a deixa mal. Não entende como tantas vezes ouviu de sua mãe que, como filha, seria a sua prioridade, e na hora de tomar a decisão de casar-se não levou em conta o seu sofrimento. Diz que não concorda com aquele casamento, que não sabe quem é aquele homem com quem sua mãe casara, que, em sua opinião, nada justifica o casamento.
          Vai falando e tomando gosto pelo falar, a voz assume um tom firme e até empostado, como se discursasse numa tribuna. Critica o pai por também estar ali, diz que ele não deveria, esteve sempre ausente quando era necessário e que agora que é desnecessário está ali. Critica a avó que fez que questão de trazê-la até ali e a colocou naquela situação ridícula.  Diz que aquela cena é inadmissível e os que ali se encontram não pensam na sua mãe, mas em si próprios.
          Mas também, não assume a defesa da mãe de um modo muito forte. Considera que ela tem culpa pelo que está passando, que ela não avaliou corretamente a situação e que está submetendo a família a coisas que não tem nenhuma razão de ser. Diz que uma pessoa precisa saber que os seus atos não apenas tem consequência para si, mas também, para as outras pessoas que estão ao seu redor. Uma atitude errada provoca mal estar em todos que, sequer, tem poder para barrar, impedir e, na maior parte das vezes, sentem até mais do que quem a praticou.
          Olha para a tia e reclama do drama ridículo que encenou. Diz que aquilo não ajuda, mas, ao contrário, expõe ainda mais as debilidades da família. Olha para o tio e, movendo a cabeça negativamente, diz que jamais imaginou que ele fosse capaz de uma fragilidade tão grande. Não conseguiu impedir que as coisas chegassem até ali e, agora, havia se comportado como um fraco.
          Olha ao seu redor e expressa um desprezo evidente por todos os que ali se encontram. Diz que tem certeza que os motivos que movem cada um são torpes e que, mesmo assim, todos tem a intenção de seguir adiante em seus propósitos. Por isto mesmo, diz, não pode ter qualquer outro sentimento pelas pessoas que ali estão a não ser o de reprovação.
          Diz que, se antes já não tinha o casamento como um objetivo seu, dali em diante, tem a certeza de que jamais se casará. É o segundo casamento de sua mãe e percebe que se o primeiro não deu certo, este outro se encaminha para o mesmo destino. O marido de sua mãe será sempre um estranho e, certamente, a realidade que ali se desenhara deixará marcas muito profundas em todos, principalmente, nele. Alias, diz enfaticamente, não sabe como ele ainda está ali, ouvindo tantas barbaridades e sem dizer nada e sem tomar qualquer atitude.
          Para finalizar, diz ser lamentável tudo aquilo. 
          Volta a postar-se por trás de sua avó, como se retirasse de cena.