domingo, 1 de abril de 2012

A GENTE SÓ QUER VIVER



       A notícia do falecimento de Dona Maroquinha correu a família num tom de grande surpresa e desalento. Embora já passasse dos seus 80 anos, era saudável, lúcida e ativa. Os filhos, em profundo pesar, mobilizam-se para dar ao sepultamento o caráter de uma homenagem e, para isto, fazem contato com todos os parentes, amigos e a vizinhança inteira. Grande número de pessoas se faz presente ao cortejo. No percurso até o cemitério, orações são puxadas pelo grupo de filhos que vão adiante, mais próximos ao caixão, e repercutem na multidão como uma onda, até que alcance as últimas e mais distantes pessoas. Assim, tudo ocorre de modo a que cada um dos filhos tenha alguma certeza de que Dona Maroquinha teve um enterro como merecia.
        Uma semana depois de Dona Maroquinha sepultada , morre Cesária, a filha mais nova. Recomeçam os choros, as lamentações e, acima de tudo, a preocupação em convidar a quantos estiveram no enterro da mãe para prestigiar o da filha. No entanto, poucas pessoas compareceram. Comentavam-se que Cesária não tinha o mesmo carisma da mãe. Alguns até chegavam mesmo a fazer referência a uma certa antipatia. De qualquer modo, foi conduzido o corpo a sepultura com a presença dos poucos que compareceram.
      Quinze dias passados, vem a falecer Tertuliana, outra filha de Dona Maroquinha. Um certo cansaço já transparece na família. Nem bem havia sepultado  Cesária e realizado as cerimônias pelo falecimento da mãe e da irmã, e agora é abalada pela perda de outra irmã... Mas, o que não tem remédio, remediado está, repetiam na tentativa de superar perdas tão próximas. Foram tomadas as providências para o enterro, como das outras vezes, tentando diminuir a tristeza pela presença do maior número de pessoas ao velório e ao enterro. Desta vez, até que havia uma certa comoção, um sentimento de solidariedade a família e o comparecimento correspondeu em número de presentes e no fervor dos cantos e orações.
         Mais uma semana e morre Estevão, único homem da família de 12 irmãos. Os choros e lamentações são muito mais desesperadores. Ninguém parece se conformar, as perdas anteriores não estão ainda superadas, os sentimentos parecem estar acumulados e vem à tona mais intensos com a morte de Estevão. Desta vez, a família pede ajuda aos amigos para que cuidem das cerimônias de velório e sepultamento, não há mais disposição possível entre os irmãos para repetirem tudo novamente.
       É um enterro simples, sem muita gente mas, de grande emoção dado o estado visível de instabilidade emocional dos membros da família, especialmente, as irmãs restantes. Logo após a missa de sétimo dia, Carmelita chamou as outras irmãs para uma reunião em sua casa, dali a três dias, conforme a disponibilidade de cada um. Na data marcada, logo cedo, começam a chegar as irmãs para a reunião na casa de Carmelita. Antes das dez horas da manhã, todas estão presentes.
         São servidos uns doces e salgados enquanto aguardam que Carmelita inicie a sua fala, que ela explique quais motivos a levou a convocar a reunião. Carmelita, finalmente, aquieta-se e toma assento no sofá da sala de visitas, diante das outras que a aguardam ansiosas. Com um semblante um tanto compungido, olha para Ismênia, a irmã mais velha na sala e em voz imperativa, começa a falar. Diz ela — Ismênia, você precisa pedir a nossa mãe que pare com isto, depois que ela se foi já levou para junto dela três de nós. Diga pra ela que ainda temos muito o que fazer por aqui, temos nossa família, nossos filhos e nossas obrigações para cuidar. Não queremos ir agora para onde ela está.