sábado, 25 de junho de 2011

FERIADÃO

Manhã de domingo. Acordo com o calor incômodo de setembro. Olho o relógio digital para concluir que faltara energia na madrugada. Levanto-me e, inadvertidamente, ligo o chuveiro. A água fria recupera a memória de que não há energia. Banho-me depressa e saio antes mesmo que o corpo acostume-se com a temperatura da água. Desço para tomar café, insisto no isqueiro do fogão até me dar conta de que ainda não retornou a energia. Apelo para o fósforo, acendo o fogo, e ponho o leite para esquentar. Enquanto espero, resolvo fazer uma bananada. Pego o liquidificador, ponho a banana, o leite e o adoçante, e ligo em seguida. O aparelho não se mexe. Mais uma vez me dou conta que está faltando energia. Resmungo alguns impropérios contra a companhia de energia, todos os governos e desgovernos, impaciente.

Tomo café pensando em quanta falta faz a energia elétrica na vida urbana. Penso nos que podem estar presos no elevador, nos pacientes dos hospitais — em especial os de UTI —, nos cruzamentos das ruas com semáforos apagados, em quantas coisas ficam sem sentido numa cidade ou mesmo numa casa sem energia. O dilema de quem tem que dormir num lugar com muriçocas e calor: não pode embrulhar-se com o lençol porque o calor incomoda, não pode desembrulhar-se porque as muriçocas atacam. Um inferno.

Termino de tomar café, sento no sofá para ler o jornal, ligo o ventilador. Nem sinal de energia. Começo a achar todo este esquecimento repetitivo e ridículo. Vejo no jornal que o apagão da madrugada estava previsto, manutenção da rede, diz lá. Mas em outras matérias leio discursos de protesto contra o descaso com que a Companhia de Eletrificação trata seus consumidores. Há lugares na cidade em que falta energia cinco a seis vezes ao dia. Os aparelhos elétricos e eletrônicos, altamente sensíveis, apresentam defeitos resultantes dos constantes apagões. Prejuízo certo para os donos quando tais aparelhos são danificados pelas oscilações de corrente, pelos cortes bruscos, ou por descargas elétricas provocadas por raios, durante os períodos chuvosos.

Olho para o relógio e percebo que já são nove e trinta da manhã. A corrida de Fórmula Um, que começaria às 8 horas, está prestes a terminar. E não se consegue saber quem ganha a corrida naquele momento.

Ligo o laptop e, graças a carga da bateria, consigo acessar à internet. Mas não por muito tempo, percebo logo que o aviso de bateria fraca começa a piscar com maior insistência. De algum modo, tenho tempo de me informar sobre a situação da corrida.

Decido, então, retornar á cama e dormir mais um pouco. O calor continua lá. Não durmo um só minuto. Resolvo trocar de roupa e dar um giro pela cidade. Parece que todos os habitantes tiveram a mesma idéia. O trânsito está um caos, os cruzamentos bloqueados por carros em engarrafamentos gigantescos. Não há um só guarda para controlar tamanha balbúrdia e os motoristas, alucinados, conseguem piorar a situação ainda mais; cada um tenta buzinar mais forte que o outro.

Há muito custo, faço uma manobra e retorno para casa.

De volta, fico pensando o quanto estamos dependentes da energia elétrica e das tais próteses tecnológicas. Se eu tivesse saído a pé, não teria me estressado tanto e até teria me divertido vendo aquele povo todo em seus trancados em seus carros, com as mãos atadas as suas buzinas histéricas.

O serviço de fornecimento de energia vem piorando e parece não ter solução à vista. Por outro lado, os órgãos de controle do trânsito parece satisfazerem-se com os seus blocos de multa, numa hora destas não aparece um só de seus agentes.

FEMININO, SINGULAR

Olha só, que mulher! Claro, você não está vendo, mas eu estou. Aliás, eu a vejo sempre. Vou tentar descrevê-la para você, talvez assim você consiga ver também. Ela está de vestido preto, curtíssimo. Tem pele bronzeada e macia, cheirosa. Sorri com inteligência e sabe dizer palavras amáveis como ninguém.

Tem cabelos longos. Bom, algumas pessoas dizem que os cabelos não são dela, mas quem se importa com isto? O importante é que ela fica bem assim, de cabelos longos. Mas fica bem também de cabelos curtos. Fica bem com qualquer tipo de cabelo. Está certo que ainda não a vi com a cabeça raspada, no zero, mas imagino que mesmo assim ela mantenha sua beleza inabalável.

Tem pernas longas, e que pernas. Destas pernas que parecem ter azougue para olhos masculinos e femininos. Por onde passa, neste vestidinho preto, vão-se enfileirando olhos semicerrados, bocas abertas, queixos caídos num turbilhão de desejos. Pernas longas e passo macio feito felina.

Olha só, que mulher! Ah, havia esquecido que você não pode vê-la. A pele bronzeada parece que acabou de chegar da praia, o dia inteiro com o corpo exposto ao sol. Parece que saiu do banho agora, os pelos ruivos eriçados. Vê-la é correr os olhos e discorrer palavras impronunciáveis como quem cochicha murmúrios pausados.

Um aroma de romã enche o ar e esvazia os corações em suspiros e desejos. Ah, quem me dera. Cheiro feminino, legítimo. Nem precisa de muita coisa, para que se vire a cabeça, cheinha de bobagens perfumadas. E não é um perfume desses que se vai com facilidade, impregna a imaginação. Depois, é só imaginá-la que o ar emana o seu cheiro.

O sorriso é terno, doce e desafiador. A boca resplandece e os olhos serpenteiam com graça, desnorteando a gente. Tonalidades de cores cambiantes que se alteram conforme a densidade do riso, como se fossem furta-cores. Mas a sensação é de tranquilidade, de confiança plena, que até dá vontade de nos entregarmos por completo, sem qualquer resistência.

Olha só, que mulher. Ah, bom. Ainda bem que agora você entende. Desta vez posso falar assim porque você já pode vê-la também. Bem, tendo em vista que você agora consegue visualizá-la, entendo direitinho por que não dá para ficar indiferente a tanta beleza. Ou você ainda acha que preciso falar mais, apresentar mais detalhes?

Ah, então vamos buscar mais informações, mais motivações para aguçar a imaginação e trazer à tona o ideal de mulher perfeita que cada um guarda consigo. Eu diria, para continuar esta apresentação, que sua personalidade é um dos seus maiores atrativos: é simples, precisa no que faz e no que diz. Não sobra nada, cada detalhe tem apenas a exata dimensão do gosto mais apurado, mais exigente.

É madura, tem uma história de vida marcada por grandes alegrias e dores profundas. Tem a curiosidade da descoberta permanente e o espírito corajoso que a faz arremeter-se aos desafios de vida mais arriscados, como se se lançasse em trapézios em voos ousados, sem qualquer proteção de rede. É responsável e segura em seus compromissos.

Neste momento, você poderá estar-se perguntando, se tal mulher existe mesmo ou se será fruto de minha imaginação. Ao mesmo tempo, você mesmo, na dúvida, pensará que esta, de quem eu falo, poderá ser alguém que você conhece, sobre quem você tem estas mesmas impressões.

Não se trata apenas de uma mulher atraente aos desejos de homens, mas de alguém que inspira e faz suspirar, como modelo, outras mulheres.