quarta-feira, 17 de novembro de 2010

FIM DA LINHA



Há tempo espero um ônibus que me conduza ao trabalho. Cheguei à parada às 7 horas em ponto. Todos os que me servem passam lotados e nem param. Vejo que se aproxima um ônibus que posso apanhar, mas que me deixa a três quadras do local em que trabalho. Vem com muita gente já em pé, mas não está lotado. Dou sinal, ele vai parar mais à frente. Corro e subo, topando nas pessoas que se alojaram nos degraus da porta de entrada. Reclamam. Eu também. O trocador está com a cabeça deitada sobre os braços, escorado na gaveta, parece que dorme. Toco-lhe os braços e digo que vou passar. Forço a roleta, mas as pernas do trocador emperram, não me deixam ir em frente.
Alguns passageiros observam a cena com ar de riso. Toco a cabeça do trocador com insistência. Ele se ergue, e me olha com indiferença, os olhos ainda apertados de sono. Para pagar uma passagem de um real e trinta e cinco centavos, entrego-lhe uma cédula de cinco reais. Ele me passa o troco de três reais e sessenta centavos. Digo que está errado, ele, sem olhar para mim, mete a mão na gaveta e entrega os cinco centavos que faltavam.
Vou adiante, topando nas pernas de outros passageiros. Alguém resmunga alguma coisa que não entendo, mas não paro: se eu não passar agora para a porta de saída, quando chegar onde vou descer não conseguirei. A tendência é o ônibus encher mais até lá.
Nas curvas vai todo mundo para o mesmo lado, apertando-se uns contra os outros. Um passageiro que cantava uma música desconhecida reclama com o motorista que este está correndo muito. Passa poste, passa pasto, passa boi, passa boiada... as coisas todas passam, velozes. Uma curva para o lado contrário, lá vamos nós, juntos. Uma senhora com criança nos braços reclama, porque um jovem que acaba de lhe espremer contra o banco não lhe cede o assento. Mal educado, grosseiro, xinga.
O jovem finge dormir, denuncia-lhe um sorriso mal disfarçado.
Uma moça apressa-se para descer e vai machucando quem estiver pela frente. Pede, aos berros, que o motorista pare no ponto seguinte. Ameaça denunciá-lo à empresa, se ele deixá-la passar de onde deseja descer.
Passa com os cotovelos abrindo caminho por entre corpos inermes. Respira ofegante como se tivesse corrido quilômetros. Raspa-me os ouvidos com sua angústia e aflição. Um senhor de chapéu de palha não dá notícia: dorme. A boca aberta resseca-se com o ar que se desloca da janela aberta. Fitos na paisagem acinzentada, pares de olhos apontam lados opostos com a mesma expressão: anestesiados pelo tempo em que esperam as referências no deslocamento do ônibus veloz. Acostumados estão com os fios dormentes, os meninos fardados que passam para a escola, os ciclistas que andam para trás, os postes ligeiros, as casas sem ninguém. Alheamento agudo, acostumado.
Desprego os olhos donde fitava o mundo e percebo que se aproxima o meu ponto de parada. Puxo o sinalizador e vou-me aproximando da porta de saída. O ônibus para bruscamente, arremessa-me para frente; sinto-me pressionado por outras pessoas que mal se seguram, dependurado no suporte de mão acima de suas cabeças. Xingam o motorista, avisam que não transporta gado, exigem que tenha cuidado. O motorista limpa as mãos na flanela ao mesmo tempo em que também limpa a direção com ela. Engata a marcha e arranca forte, jogando os passageiros que vão em pé para trás. O percurso ainda é longo e muitas outras paradas há até o ponto final.