sábado, 1 de outubro de 2011

URBANOPATIAS

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A cidade é, por excelência, o lugar do excesso. Tudo é ofertado em demasia, inclusive a escassez. Recorrentemente se ouve falar em comportamentos compulsivos: consumo de bens materiais (roupas, perfumes, chocolate etc.), de bens simbólicos (novelas, notícias, Internet etc.) e até mesmo de sexo. As síndromes e os transtornos obsessivos compulsivos fazem parte das patologias modernas, mas, principalmente, urbanas.
Uma das lógicas que alimenta o sistema capitalista é exatamente a produção em larga escala: vários produtos, inclusive remédios, com finalidade e conteúdo semelhantes são ofertados em massa sob o pretexto de estimular a livre escolha. Mas, ao mesmo tempo, são criados filtros severos que definem quem pode ou não acessar os produtos em oferta. Sem dúvida, o mais forte destes filtros é o poder de compra; se de um ladoprodutos em excesso à mostra para consumo, por outroemprego e salário de menos, o que cria uma bruta contradição. Daí decorrem filtros como a falta de educação e de saber que afunilam mais ainda o acesso aos bens urbanos.
Diz-se que cada um é livre para dar destino à sua vida. Porém, para cada um, as oportunidades são bastante diferenciadas. Enquanto uns têm acesso à boa alimentação, educação, saúde, moradia, entretenimento, emprego e renda, aos outros são negadas estas garantias básicas de uma vida digna. Nega-se, assim, um dos fundamentos principais para o acesso as oportunidades de mobilidade social.
É claro que ao acessar as tecnologias e seus produtos, as elites garantem a manutenção desta realidade indefinidamente, e isso não ocorre de modo pacífico. Primeiro, porque as indústrias que produzem em excesso precisam de consumidores para as suas produções ― quanto maior o número de pessoas consumindo mais disputas são possíveis. Segundo, a ostentação da riqueza gera o desejo e a revolta entre aqueles que não têm acesso a nada, abrindo possibilidades de ações violentas.
O excesso é tanto maior quanto mais houver modernização tecnológica. As tecnologias facilitam o aumento da produtividade e substituem mão-de-obra, produzindo, contraditoriamente, mais oferta e desemprego. De outro lado, impõem a velocidade contra o tempo e o espaço, esgarçando fronteiras e desestabilizando referências que anteriormente pareciam estáveis: as comunidades disseminam-se no tecido social sob novas configurações, reinstauram-se tribos, exacerbam-se disputas e comportamentos violentos. Contra o conforto e as facilidades que atraem migrantes para os centros urbanos surgem a insegurança e o medo, provocados pela violência extremada. Vive-se um tempo em que, parece, o gestor urbano perdeu o controle sobre a ordem e a dimensão de suas medidas e escalas.
Neste cenário, ressurge o desejo do indivíduo sobre o da coletividade, é a reafirmação necessária da identidade que explode em fragmentos tantos quantos sejam possíveis. Cada um detém uma nova maneira de se apresentar e se identificar. Os conglomerados humanos, de qualquer tamanho, espelham-se e identificam-se nos comportamentos de massa superdimensionados pela mídia, sintomas de contágio dos corpos urbanos, através de epidemias de informações deformadas. As urbanopatias que poderiam ser características das grandes metrópoles espalham-se e contaminam pequenas cidades com a velocidade de viroses incontroláveis. O despertar para um retorno ao mundo rural, a migração às avessas, é um dado novo e contém em si o risco da disseminação dos espaços saudáveis do campo pelas patologias comportamentais que fizeram disparar nas cidades a violência, a solidão, o consumismo, o medo.