segunda-feira, 23 de maio de 2011

OLHOS PRESOS AO LIVRO: LIVREMENTE


Muitas vezes, a companhia da televisão não é suficiente para que você se sinta, de fato, acompanhado. Uma boa literatura, as personagens e suas histórias têm o poder de remeter você ao abrigo de emoções que anulam o tempo e recuperam a segurança de estar bem acomodados nos sofás, no interior dos apartamentos. Umas das saídas que Regina tem encontrado, para afugentar a sensação de estar sozinha no mundo, tem sido a leitura de bons livros.
Regina sempre foi uma boa leitora, lê tudo o que lhe cai às mãos. Mas, ultimamente, vem recorrendo à leitura para escapar da mesmice dos canais de TV e para se refugiar da solidão, no seu apartamento. Ao sair do trabalho, passa na biblioteca pública, loca um livro, e, tão logo cumpra seus ritos de banhos, jantares e louças etc., busca dentro de casa, cada vez um lugar diferente, onde possa se acomodar, numa cadeira confortável, com boa luminosidade, para entregar-se à leitura.
Dia desses, ao entrar na biblioteca, Regina observou que, numa das mesas de leitura, um jovem parecia deliciar-se com o livro que lia. Ficou ali, olhando a expressão daquele moço com um riso desenhado e uma expressão de imensa satisfação. Regina, então, passou a vista pelas outras mesas e deu-se a observar vagarosamente cada um dos leitores, que estavam ali. Em geral, as mesas de leitura acomodam 4 pessoas, uma de frente para a outra, duas a duas.
Um dos primeiros pontos que observou foi que cada um dos leitores ou leitoras dedicava-se a ler uma obra diferente. Uns tinham às mãos livros mais de conhecimento técnico: anatomia, softwares, matemática, jornalismo etc. Outros liam literatura ficcional: romance, contos, crônicas etc. Mas ninguém parecia aborrecido ou preocupado. Protegidos pelo silêncio, mergulhavam nas páginas que iam passando com uma lentidão quase eterna.
No balcão, outros chegam com suas pressas, entregam ou pegam livros e se vão. Neste entreter-se, observando o seu entorno, Regina começou a viajar nos sentidos que estão postos numa biblioteca. Cada pessoa que ali chega para apanhar um livro está buscando conhecer mais sobre algo. Do mesmo modo que os que ali estão, lendo, gastando um bom tempo de suas vidas, sentados ao redor de uma mesa, sem sequer perceber quem está à sua frente.
Regina lembrou, então, uma cena que viu recentemente e que achou interessante: um grupo de pessoas numa mesa de bar, como se fossem amigas, como se estivessem ali para uma conversa entre si, mas, na verdade, cada uma delas falava ao celular e não percebia umas as outras, naquela mesa. Há certa semelhança na cena da biblioteca, só que as pessoas com quem cada um conversa não estão do outro lado de uma linha telefônica, mas em lugares muitos distantes e vivenciando histórias em que o leitor parece se envolver como um observador privilegiado: vê a todos e a tudo e não é visto. Este leitor está ausente, enquanto lê, do que ocorre naquela mesa em que se encontra.
Aos poucos, Regina foi se dando conta que também ela abstraiu, por instantes, enquanto observava outras pessoas, e enquanto tomava consciência de si, percebia que agarrava fortemente o livro que acabara de receber, como se ele pudesse escapulir de suas mãos. Olhou para o balconista para ver se ele havia percebido sua displicência, mas o rapaz estava entretido em atender outras pessoas e não se dava conta de que ela o estava observando. Depois, olhou para os lados e em nenhum momento percebeu se alguém a observava também.
Com algum alívio, Regina foi-se afastando dali, meditando sobre aquela situação de quase transe. Tomou o caminho de casa, com um leve sorriso de satisfação, enquanto ruminava a imagem do jovem que expressava prazer enquanto lia. Esta imagem permaneceu consigo por um bom tempo.