domingo, 20 de junho de 2010

LUGARES TROCADOS


A cada ano é lançado no mercado um automóvel que tem algum tipo de apelo rural: jipes, pick-ups e utilitários outros com tração nas quatro rodas, pneus abiscoitados, estepes na tampa traseira, estribos laterais, quebra-mato, potentes e resistentes, enfim, os chamados off-road. Esta tendência poderia ser atribuída a certo crescimento econômico do campo e ao aumento do poder de compra de produtores rurais; no entanto, para além deste fato até visível, há alguns dados que não podem deixar de ser observados: o esvaziamento das grandes cidades em períodos de feriados prolongados ou mesmo nos períodos de férias de trabalho e escolares – os meses de janeiro, fevereiro e julho.
Os citadinos vão à busca de sítios, fazendas e do litoral, de preferência praias pouco movimentadas, para experimentar a vida calma de lugares ainda não urbanizados. Pelo menos, por alguns dias, podem-se respirar os ares do campo e vivenciar as noites cobertas de estrelas e luar. Nestes casos, a comida caseira toma o lugar dos fast-foods e as mesas de escritórios são substituídas por uma boa rede e espreguiçadeiras em alpendres, debaixo de árvores ou entre coqueiros. A presença de um violão anima cantores e cantoras resguardados a soltar a voz e a realizar sonhos acalentados há anos.
Mas há também um detalhe que não pode ficar de fora deste texto, um lugar bucólico será tanto mais procurado quanto mais nele houver infraestrutura urbana: acesso pavimentado, energia elétrica, telefones fixos, antenas de TV (parabólicas ou por assinatura), computadores, acesso a intgernet etc. Em muitos casos, a fuga para o campo não significa uma liberação das obrigações e os laptops estão aí mesmo para que se aproveite o descanso e se realizem tarefas inadiáveis.
Os novos campesinos contaminam o espaço rural com suas manias de urbanidades, estabelecem fronteiras não muito claras de costumes entrelaçados. Cercam-se de auxiliares nativos que observam e experimentam os hábitos tecnologizados, e com a continuidade desejam para si, misturando-os aos seus de origem.
Por outro lado, nativos do campo fazem o percurso inverso. Uma vez migrados para os espaços urbanos, tratam de buscar, adquirir e usufruir o que podem. Os migrantes camponeses instalados nas cidades buscam amplos quintais com árvores frutíferas e onde possam criar galinhas, perus, capotes, bodes, porcos; buscam âncoras que os mantenham de algum modo presos à origem campesina. A alma cheia de sensações confusas e indeterminadas não consegue estreitar o espaço fronteiriço entre os ritos originais e os novos rituais urbanos. É comum que alguns instalem objetos urbanos dentro de casa como modo de reduzir as diferenças e identificar-se com aqueles que já estavam lá como habitantes urbanizados quando chegaram: estantes com coleções de livros que nunca serão lidos, televisão, geladeira, aparelho de som, computadores. Os benefícios da tecnologia impregnam o espírito e depois de algum tempo sentir-se-á estranho no campo e saudoso na cidade. Experimenta um esgarçamento em que não se sentirá mais campesino e nem urbano porque será uma mescla dos dois.
          As pessoas que fogem para sítios e fazendas nos feriados prolongados e outros períodos de descanso têm a vantagem de retornarem à cidade, seu lugar de moradia, no fim do período; enquanto que o migrado dificilmente retorna para morar no campo. Os que conseguem um nível de vida melhor passam a retornar de vez em quando, para matar a saudade em momentos em que o trabalho e os compromissos permitam, compram seu lugar de lazer. Retornam como urbanizados, cheios de sotaques e manias adquiridos. Os que se instalam na periferia nunca serão urbanos nem jamais voltarão a ser camponeses.