domingo, 4 de março de 2012

A FESTA DE CADA UM



O marido, aflito e ansioso, não vê a hora de toda aquela gente dispersar, sair de cima de sua cama. O cansaço e o sono tomam conta do corpo que, aos poucos, vai-se deixando abandonar em um pequeno espaço do quarto, enquanto as vozes vão-se distanciando. Embora tente resistir, as resistências diminuem lentamente. Depois de algum tempo, dorme.
A esposa, ali junto, resiste por mais tempo, mas também, acaba por dormir. Indiferente ao cansaço e ao sono do casal sucedem-se as intervenções dos familiares. Alguém vai à geladeira e descobre as bebidas. Por iniciativa própria, começa a servir os presentes. Outra pessoa vai à cozinha e prepara uns petiscos para acompanhar a bebida.
Logo, surgem as rodas de conversa, grupos diversos se formam por afinidades diferentes: parentesco, interesse por determinados assuntos, por interesse uns pelos outros etc. Enquanto alguém toma a palavra, o restante participa desta nova configuração do público. Há grupos de amigos, de parentes, de torcedores deste ou daquele time, de partidários políticos, de fiéis desta ou daquela igreja, de jovens, de sexagenários etc. etc. Os assuntos são os mais variados, vão desde comentários acerca da festa de casamento, passando pelo vestido da noiva, até as oportunidades de investimento no mercado financeiro.
Percebem-se movimentos de migração de pessoas entre os grupos, de tal modo que um grande grupo aos poucos se esvazia e outros se formam ou se ampliam. Dali surgem amizades e novos casais. Ninguém presta atenção em quem assume a fala. Aliás, quem toma a palavra, fala para o vazio, apesar da multidão que está ali.
De repente, devido ao cansaço, algumas pessoas tem a ideia de sentarem-se no chão. Depois de algum tempo, quase todos os grupos estão sentados. Mesmo assim, continua o processo de esvaziamento de alguns grupos e formação de novos. Ficam de pé apenas algumas pessoas que, na animação da conversa, não se dão conta de que quase todo mundo está sentado. Sim, claro, também quem assume a palavra fica de pé.
Enquanto isto, o casal permanece deitado, dormindo profundamente. Mas isto não é motivo para que ninguém arrede pé dali. Mas, apesar das presenças, o casamento ou os recém-casados perdem o interesse de quantos conversam nos grupos. Cada grupo concentra motivos e interesses próprios, isto é o que agrega as pessoas. Há grupos mais animados em que seus participantes sorriem, uns, inclusive, às gargalhadas, outros mais contidos e, em alguns casos, há, até mesmo, membros chorosos.
Vez ou outra, percebem-se discussões acirradas num ou noutro grupo e, em casos extremos, até gritos, empurrões e pancadaria. Porém, nada é por muito tempo. Tudo parece ocorrer de modo passageiro. Mesmo os conflitos, se ninguém liga e deixa rolar, os próprios briguentos se encarregam de acalmarem-se e logo se desfazem as confusões.
De repente, talvez sob o efeito da bebida, surge um som alto e alguns dos grupos que estavam sentados, levantam-se para dançar. Formam-se os casais dançando de rosto colado. Outros ficam-se a dançar soltos, enquanto mantêm a conversa. No entanto, a maior parte dos grupos fica indiferente a música, apesar de toda a altura do som. Por conta disto, surgem em lugares diferentes, reclamações por conta do som impedir que se converse. Baixam o som e logo todos retomam a conversa no ritmo de antes.