domingo, 30 de agosto de 2009

CENAS URBANAS



Ruas tramam traçados: cruzamentos, vias públicas, vilas, valas. Poças encalham esgotos a céu aberto, olham azul o céu negro. Roupas estendidas, corpos estendidos, olhos espichados, estendidos. Pouca gente, pouca roupa, comida pouca sobre a mesa.
Crianças adornam as praças e empinam sonhos e graça sob o sol. Pipas pontuam o azul e riscam, enlinham-se nos cortes do cerol. Choro, sangue, faz de conta corta a ponta e alça outra vez: isto é o que conta. Vielas recortam muros, casebres, costados, lado a lado, rente colados. O trilho treme sob o trem, a terra estremece também.
Cachorro adormece e sonha fins de semana, grunhe mansamente entre o sol e a areia seca. Sua sombra sua sobre a cama e o resto do tempo descamba sem movimento. Pedaço de telha, caco de vidro, tábua com pregos ao seu redor.
Crianças esguias esgueiram-se nos logradouros: menino, cata-vento; menina, catapulta. Boca aberta ao Deus dará, pernas e braços idem. Graves laços enlaçam grossas promissões. Larvas lerdas lançam-se nas águas paradas e mosquitos picam novos pontos. Um mundaréu de casas, acesas feitos brasas, enfileiram-se, tijolo sobre tijolo, massa ao meio.
Uma bodega de esquina revolve gente. Uns que entram, outros que saem. Entram firmes e saem trôpegos. Uma esquina, um canto com entradas e saídas insistentes. Verde desbotado sobre o vermelho riscado do cenário. Picolés, pingas, conversa exaltada, miolo de pote: aguardente.
Sob uma latada o corpo de um bode, dependurado – retiram-lhe o coro. A carne exposta, as vísceras expostas – retiram-lhe o fato, o fígado, o bofe. Olhos esbugalhados a ver o nada diante de si, de cabeça para baixo. Miram-lhe olhos de expectativa: um quilo para cá, meio quilo para ali – vão-se as suas carnes. Restam-lhe os ossos descarnados. O cachorro sonolento ergue a cabeça e aguarda receber sua parte.
A igreja no alto do morro finda a rua. Portas abertas aguardam engolir fiéis ao fim da tarde. Um ou outro mais piedoso põe-se de joelhos e espera, junto ao altar, a olhar os santos que miram o infinito. Adornos de flores ornam as orações. A fé preenche o espaço com sombras de alívio, o sol castiga lá fora. Ponto branco sobre telhados cinza escuro. Somente uma senhora, sem hora para outras ocupações, ora àquela hora.
Tempo ou outro soa o sino repicando as marcas do tempo que se vai e anunciando as fronteiras do que virá. Vez em quando há silêncio no vento que dissimula-se nas ruas. Um ladrar distante, um galo mais próximo e o gralhar de pessoas em revoada. Ondas que se diluem no vácuo do dia. Um assobio experimenta melodias desconcertantes. Uma risada também estilhaça o silêncio. O ronco de uma motocicleta raspa as ruas até desaparecer no longe da avenida principal. Por longos tempos o ônibus se ausenta e cessam seus ruídos. No ponto, um esperar sem fim.
Uma algazarra repentina denuncia um jogo de futebol nas proximidades. Jovens demarcam o chão e marcam com pedras o lugar do gol. Qualquer coisa parecida com uma bola rola aos pontapés, em meio à disputa que se trava no interior da poeira que se agita. Gritos, xingamentos, empurrões e risos nervosos compõem a trilha daquela tarde.
Das janelas, mulheres observam tudo sem se darem conta de que também são observadas. Esgoelam um bocejo e trançam os cabelos, olham-se e sorriem à-toa. Nas calçadas, casais sentam-se à sombra e conversam coisas de sempre: o calor do dia, a falta de energia da noite anterior, a vida de alguém conhecido... vão-se desfiando temas sem consequência como que para matar o tempo.
Espreguiçadeiras recebem corpos envelhecidos. Logo uma brasa acende o fumo e pitam fumaça de cheiro forte. Domingo pede cachimbo. Domingo pé-de-cachimbo.

Um comentário:

  1. Parabens pelo blog professor Laerte!
    Só que agora é hora de você blogar conosco no Vooz. ACeita o nosso humilde convite?

    abração!

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