sábado, 7 de novembro de 2009

PRIMEIRO MOVIMENTO





Ele meteu a mão no bolso lentamente, como se diz, como se dentro houvesse um escorpião. Puxou sem muita vontade um pequeno bolo de cédulas amarrotadas. Pôs uma por uma em cima da mesa, uma sobre a outra. Olhou demoradamente e, depois de algum tempo, resolveu somar a quantia que tinha ali. Fez uma expressão de insatisfação, olhou para o teto longamente depois e pegou as cédulas e, num bolo só, meteu no bolso novamente.
Antes de sair de casa, ruminou a frase que não lhe descia bem: “não custo caro para você, só vou cobrar porque não é correto trabalhar de graça”. Ele, em seguida, murmurou como se respondesse: “mas você diz que me ama, nunca ouvi falar que se pagasse pelo amor de alguém”. Não ouvindo qualquer tipo de réplica, meteu mão esquerda no bolso e assim saiu, batendo a porta.
Caminhou pela rua molhada até a pracinha. Não havia ninguém no orelhão. Dirigiu-se para lá. Retirou o telefone do gancho, botou o cartão e discou o número olhando a caligrafia dela no papel. Não demorou muito alguém atendeu. Ele disse que queria falar com a Gina, a outra pessoa pediu que esperasse, ia chamar.
Demorou um tempão. Várias vezes pensou em desligar e ligar pouco depois, mas desistiu com receio de que ela chegasse para atender e encontrasse o telefone desligado, retornasse para casa sem esperar que ele ligasse novamente. Lembrou que não havia se identificado pra quem atendeu – a pessoa não perguntou e nem ele se lembrou de falar. Também, não era necessário.
Mas quando ela chegou e atendeu, ele estremeceu. A primeira reação foi meter a mão no bolso e se certificar de que ainda estava lá o dinheiro. Reclamou da demora só para não começar a conversa falando da inconveniência de pagar a ela para saírem. Ela fez de conta que não era com ela e foi direto ao assunto: “Trouxe a grana?”.
Ele também não quis responder que sim ou que não, voltou a reclamar da demora e a conversa foi ficando meio torta. Cada um falava ao mesmo tempo de uma coisa diferente. Ele começou a tomar como questão fechada a história da demora, da perda de tempo. Ela começou a questionar por que ele havia se preocupado em telefonar para ela se não estava disposto a arcar com os custos que sabia existirem.
Depois de algum tempo, só ele falava e do outro lado silêncio completo. Nem mesmo um pequeno ruído. Ele não se importou porque lhe veio uma vontade de falar e disse coisas que não tinham nada a ver com aquela história. Coisas de outros momentos que estavam ainda atravessadas, como repetira várias vezes. Falou, falou, falou. Nada em resposta. Como o telefone não emitiu nenhum toque de desligado, imaginou que ela o houvesse deixado fora do gancho. Botou o aparelho no gancho e saiu dali caminhando sem direção.
Puxou as cédulas do bolso, contou novamente. Dividiu ao meio sem se preocupar se isto importava dividir o valor em metades. Contou as cédulas, botou metade no bolso da camisa e a outra metade voltou a por no bolso direito da calça. Não havia nenhuma explicação racional para tal feito, não estava conseguindo raciocinar. Deu vontade, só isto. Ainda sem vontade de tomar qualquer decisão, dirigiu-se ao bar mais próximo, na direção que apontava o nariz.
Não havia quase ninguém àquela hora, umas poucas mesas ocupadas com uma ou duas pessoas em cada uma delas. No balcão, um casal discutia alto. Ele ficou ali, olhando, mas sem juntar as palavras que soavam daquela discussão. Depois de alguns minutos, o barulho de uma garrafa atirada ao chão o trouxe a si. Olhou aquele lugar com estranheza, mas mesmo assim pediu uma cerveja enquanto puxava a cadeira para sentar-se. Do casal que estava discutindo, apenas a mulher continuou no bar – ficou sentada, com a cabeça sobre os braços numa mesa mais afastada.
Ele aproximou-se dela e perguntou se ela não queria fazer-lhe companhia, conversar um pouco. Ela ergueu a cabeça e os dois entreolharam-se surpresos. Ela não conseguiu se segurar, a pergunta saiu mecanicamente: — Trouxe a grana?.

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