domingo, 1 de agosto de 2010

SEXTA, À NOITE


Sexta-feira à noite, expectativas. O pai que trabalha no interior durante a semana retorna para casa. Esperá-lo é não dormir. É ouvir, com o coração aturdido, os rumores dos feirantes que chegam, para, no dia seguinte, negociar sua produção no entorno do mercado central.
O tempo frio agita o vento que barulha no telhado, ora mais brando, ora mais forte. O poste em frente a casa impõe claridades pelas frestas da janela. A luminosidade invasiva e o burburinho de vozes aquietam apreensões e amenizam a tensão da espera.
O hábito antecipa as cenas na memória e as permite tomar conta da imaginação. Batidas na porta, são batidas conhecidas. De repente, parece que todos na casa estavam sintonizados na mesma espera. Todos vêm receber o pai que chega. Logo, a família está em volta da mesa, ouvindo as novidades da semana. Não carece grande esforço para que o riso geral encha o vazio da sala de jantar. Há um bom humor em tudo, as coisas todas parecem conspirar para a felicidade de todos. Àquela noite, a família completa-se, preenchendo o vazio de dias intermináveis.
Pela manhã, depois do café, é hora de ir à feira e transitar por entre surrões de farinha, feijão, arroz; montes de jerimuns, feijão em baja, espigas de milho; balanças e carrinhos... Comprar cheiro verde, frutas e carne para o final de semana. Toda aquela gente, desde cedinho, vai se aglomerando em conversas desencontradas, num alarido que parece ecoar no espaço que a feira livre ocupa. Não é difícil entender-se com os vendedores, mas não são compreensíveis as conversas que se dão ao redor, parecem sons sem nexo espraiando-se no cinza iluminado na mimese da feira.
À hora do almoço, a mãe faz o prato de cada um, resguardados para o pai os petiscos de sua preferência. Parece ter que ser assim. Sempre foi assim. Será sempre assim. Nem nestes momentos há silêncio, a conversa acumulada de dias tem que ser atualizada e aproveitam-se todos os instantes de reunião da família. A mesma alegria, a não ser por um ou outro irmão que mostra insatisfação com algo, ou por implicância de outro, numa arenga besta.
Após o almoço, passando algum tempo, os pais vão dormir e é hora de ganhar a rua para encontrar-se com amigos e inventar brinquedos e brincadeiras. Correr, jogar futebol ou pegar manga no sítio de dona Teresa. Dona Teresa, sempre que tem notícia de garotos dentro do sítio, atravessa a rua e vem ver com a mãe por onde andam as crianças. A bronca espera sua hora para se apresentar. O sítio enorme e as mangas cheirosas atraem meninos e meninas de toda parte. Não são sempre os mesmos.
Depois das quatorze horas, o café da tarde. O pão quentinho recém-chegado da padaria exala um cheiro gostoso. A mãe serve o café de acordo com o gosto de cada um. As histórias se espicham como se estivessem iniciando naquele momento. Sempre histórias engraçadas.
O ônibus para na rodoviária e interrompe os pensamentos. Um dos carros que fazem corrida e que estão estacionados ao lado da pracinha é utilizado para chegar mais rápido em casa. O percurso não é longo. Logo estará batendo à porta de casa. É tarde. Passa das duas da manhã de sábado. Enquanto o carro desloca-se, histórias na imaginação desenham sorrisos passageiros.
A rua está deserta. Não há feirantes. Não há quase ninguém. A casa se aproxima e a porta de entrada é um ponto fixo. Mete a chave na fechadura e adentra. Ninguém acordado. Depois de livrar-se do peso da bagagem, toma banho, troca a roupa, cai na cama e se alivia da fadiga e do cansaço da viagem.

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