Regina prestou concurso para a
Petrobrás e vem cumprir estágio no Rio de Janeiro. Nordestina, estremece de
medo com as notícias de violência. Aluga um apartamento no décimo andar de um
edifício da zona sul e lá, sozinha, com saudades dos seus, verte suas lágrimas
e penitencia-se, franciscanamente. Aos poucos, vai aprendendo como se mover na
cidade e como se abastecer de mantimentos semanalmente, num supermercado
próximo.
Detesta a solidão. Com o primeiro
salário, compra uma TV e liga numa extensão, sobre um carrinho com rodas
metálicas. Deste modo, a qualquer parte do apartamento que vá, lá vai também a
televisão. Ah, sim, Regina não é apenas nordestina, vem do interior, de
arejados espaços: casa alta, de cômodos grandes, com lugares para armar várias
redes e abrigar muita gente, quando necessário. Talvez por isto, sem qualquer outra
explicação, mesmo morando sozinha aluga um apartamento de três quartos.
Quando Regina entrava no apartamento a
primeira coisa que fazia era ligar a TV. Ia para a cozinha e para lá empurrava
o carrinho, com a TV ligada. Ia tomar banho, deixava a porta do banheiro aberta
para ouvir a TV.
Mas, mesmo com esta presença tagarela, Regina
sentia-se sozinha. Não tinha empregada por que, alegava, tinha pouca coisa para
fazer e ainda mais distraia-se lavando roupas e as louças, arrumando a casa e
preparando ela mesma a comida com cardápio típico de sua terra. Reclamava que a
carne de criação nos supermercados da cidade era muito cara, mas fazer o quê?
Era assim ou teria que aumentar ainda mais as faltas que sentia. Na verdade,
não queria empregada porque não confiava ainda deixar suas coisas com alguém
desconhecido. Vivia sob tensão. Na rua, cumprimentava as pessoas e procurava
ser gentil. No prédio, falava com um ou outro quando havia oportunidade, mas em
casa, não abria a porta para ninguém, sem o pega-ladrão.
Um dia, enquanto aprontava-se, tomou um
susto, enxugava o cabelo, de cabeça baixa, e quando levantou e abriu os olhos
percebeu como que um corpo sobre sua cama. Esfriou por dentro. Mas logo deu por
si e viu que ela mesma tinha posto a roupa de sair sobre a cama: uma calça
comprida com a blusa, um conjunto combinado. Riu, ainda trêmula e foi a cozinha
tomar água. Teve então uma idéia: pegou uma calça e uma camisa de mangas
compridas, costurou uma na outra e encheu com o recheio de alguns travesseiros
que comprou para este serviço. Depois costurou algo como que fosse uma cabeça,
pintou olhos e boca e pôs peruca.
Alguém, no seu local de trabalho havia
comentado sobre um filme em que um náufrago dava nome a uma bola e conversava
com ela como se fosse gente, enquanto permaneceu naufragado. Não conseguia
lembrar o nome do filme. Pensou: se uma bola pode fazer companhia para alguém,
por que não um boneco bem feito?
Assim, Regina nunca mais almoçou
sozinha. A partir de então, depois de ligar a TV, pegava no guarda-roupa o
Hermano, sentava-o numa cadeira e ia contando para ele as novidades do dia. Só
conseguia almoçar conversando com o Hermano. Comprou-lhe roupas novas, chapéus
e outros enfeites. Uma vez, observou no ônibus, de volta do trabalho, um rapaz
que tinha um peircing na orelha, imediatamente pensou se
também não ficaria legal comprar um para o seu novo companheiro.
Muitas vezes, quando a insônia mais a
incomodava, pensava em convidar Hermano para dormir com ela, mas a
seguir concluía que não ficava bem uma moça sozinha chamar um homem para a sua
cama, mesmo sendo um grande amigo: a única pessoa em quem confiava plenamente
naquela cidade.
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