sábado, 5 de dezembro de 2009

ETERNO RETORNO




Destinos. Cada cubículo, entre os cubículos todos sobrepostos em que se abrigam as pessoas numa grande cidade, sobram destinos. Cada pessoa é um fragmento que se destina a um lugar diferente, por motivos também diferentes. Portas fechadas dão de cara para o muro do corredor estático, há tempos. É próprio de uns ir à feira, outros ao banho. Há quem fique em casa e os ganhem a rua. Os que nunca mais retornem por opção própria ou de outros. Há os que recebem: visitas de entes há muito não vistos, do cobrador, do leiteiro, do médico, do vizinho, do amante ou da amante, por aí afora.
Conflitos. Ninguém que se saiba concorda com os cães do apartamento de cima que ladram durante a madrugada. Mas eles se mantêm impassíveis: ladram, simplesmente. Um mundo de gente mora em condomínios, experimentando viver em harmonia — uns contra os outros. Enfrentam os mesmos conflitos: separar elevador social de elevador de serviço – em qual deles pode-se descer ou subir com os cachorros que dividem o espaço minguado dos apartamentos? Até que horas pode-se ficar com o som ligado a todo volume? Nos elevadores, baixa-se ou ergue-se a cabeça? E conversar com vizinhos e visitas, pode? Jogar bola nos corredores tem problema?
Máquinas e humanos. O desenho dos espaços urbanos foi definido pela tecnologia dos automóveis, que funcionam como extensões das pernas humanas, no dizer de McLuhan. Mas a verdade é que, embora sejam conduzidos por pessoas, os rituais todos e as marcações de reverência esquecem este detalhe. Todos os traços e faixas nas ruas e avenidas comunicam que se deve dar a preferência aos seus usuários. Quando o poder público institui a faixa de pedestre como observação obrigatória para os motoristas, eleva a importância da pessoa contra as máquinas, dá uma alguma racionalidade e desperta um certo espírito de civilidade. O problema é que a exacerbação do sistema acaba pondo em risco pessoas e máquinas: instalar faixas em vias expressas, sem sinal luminoso, por exemplo, é uma temeridade.
Tempo dos sinais. A pressa das pessoas antes e após a jornada de trabalho destoa do tempo dos semáforos nos cruzamentos das avenidas. Os sinais piscam para as filas que crescem, sem solução. Os humanos que administram as máquinas de controle hibernam faz tempo, não percebem que há urgência em se atualizar esta relação defasada. O ruído do caixa e das moedas abafa as lamúrias de descontentamento e o ranger de dentes de indignação.
Janela de fora. Os olhos enquadrados na tela da TV vêem a paisagem se afastar ou se aproximar em zoom, pela janela do automóvel. As cores e os movimentos assemelham-se. Até mesmo o encanto e o deslumbramento diante dos acontecimentos e dos personagens que pontuam em fragmentos de segundos a composição enquadrada. Há uma estética audiovisual que contamina as paisagens, impregnada que está pelas tecnologias do ver. As dimensões se achatam contra o vidro da janela e não perturbam o viajante em sua dormência demente.
Coração vazio. Falam-se em revitalização dos centros urbanos. É uma tristeza caminhar pelos centros das velhas cidades, o que prevalece é imagem do abandono. Estacionamentos multiplicam-se no lugar de prédios demolidos. Prédios de pintura carcomida e envelhecida denunciam os cuidados que lhes faltam. Os shoppings deslocaram os centros para outros centros instalando o clima de vazio. Transeuntes perambulam em cores desbotadas. Autoridades planejam dar vida novamente aos centros urbanos, estabelecer novos horizontes. Horizontes encarcerados em pequenos cubículos, em cada um deles sobram destinos.

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