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A cidade
é, por excelência ,
o lugar do excesso .
Tudo é ofertado em
demasia , inclusive a escassez . Recorrentemente
se ouve falar em
comportamentos compulsivos :
consumo de bens
materiais (roupas ,
perfumes , chocolate
etc.), de bens simbólicos (novelas , notícias ,
Internet etc.) e até
mesmo de sexo .
As síndromes e os transtornos
obsessivos compulsivos
fazem parte das patologias
modernas, mas , principalmente ,
urbanas.
Uma das lógicas que alimenta o sistema
capitalista é exatamente
a produção em
larga escala :
vários produtos ,
inclusive remédios ,
com finalidade
e conteúdo semelhantes
são ofertados em
massa sob
o pretexto de estimular
a livre escolha .
Mas , ao mesmo
tempo , são
criados filtros
severos que
definem quem pode ou
não acessar
os produtos em
oferta . Sem
dúvida, o mais forte
destes filtros é o poder
de compra; se de um lado
há produtos em
excesso à mostra
para consumo ,
por outro
há emprego e salário
de menos, o que cria
uma bruta contradição .
Daí decorrem filtros como a falta de
educação e de saber
que afunilam mais
ainda o acesso
aos bens urbanos.
Diz-se que cada um é livre para dar destino
à sua vida .
Porém , para cada um, as oportunidades
são bastante
diferenciadas. Enquanto uns têm acesso à boa alimentação ,
educação , saúde ,
moradia , entretenimento ,
emprego e renda ,
aos outros são
negadas estas garantias básicas de uma vida digna .
Nega-se, assim , um
dos fundamentos principais
para o acesso
as oportunidades de mobilidade
social .
É claro
que ao acessar
as tecnologias e seus
produtos , as elites
garantem a manutenção desta realidade indefinidamente, e isso
não ocorre de modo
pacífico . Primeiro ,
porque as indústrias
que produzem em
excesso precisam de consumidores
para as suas produções ― quanto maior
o número de pessoas
consumindo mais disputas
são possíveis. Segundo , a ostentação da riqueza gera
o desejo e a revolta
entre aqueles
que não
têm acesso a nada ,
abrindo possibilidades de ações
violentas.
O excesso
é tanto maior
quanto mais
houver modernização tecnológica . As tecnologias facilitam o aumento
da produtividade e substituem mão-de-obra, produzindo, contraditoriamente, mais oferta e
desemprego. De outro lado , impõem a velocidade contra o tempo
e o espaço, esgarçando fronteiras e
desestabilizando referências que anteriormente
pareciam estáveis : as comunidades disseminam-se no tecido
social sob
novas configurações ,
reinstauram-se tribos , exacerbam-se disputas e comportamentos
violentos . Contra
o conforto e as facilidades
que atraem migrantes para
os centros urbanos
surgem a insegurança e o medo, provocados pela violência
extremada. Vive-se um
tempo em
que , parece, o gestor urbano perdeu o controle
sobre a ordem
e a dimensão de suas
medidas e escalas .
Neste
cenário, ressurge o desejo do indivíduo sobre
o da coletividade , é a reafirmação necessária
da identidade que
explode em fragmentos
tantos quantos
sejam possíveis . Cada
um detém uma nova
maneira de se apresentar
e se identificar . Os conglomerados
humanos , de qualquer
tamanho , espelham-se e identificam-se nos comportamentos
de massa superdimensionados pela mídia , sintomas de contágio
dos corpos urbanos, através
de epidemias de informações
deformadas. As urbanopatias que poderiam
ser características
das grandes metrópoles
espalham-se e contaminam pequenas cidades com a velocidade de viroses
incontroláveis . O despertar
para um retorno ao mundo
rural , a migração às avessas , é um dado novo e contém em si o risco da disseminação
dos espaços saudáveis
do campo pelas patologias
comportamentais que fizeram disparar nas cidades a violência, a solidão, o consumismo, o
medo.
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