domingo, 29 de abril de 2012

O PEDIDO



Esta semana eu fiquei muito invocado. Vou te dizer, acontece cada coisa na vida da gente, tem cada uma! Imagine que eu fui a uma lanchonete com a maior vontade de comer um sanduba daqueles e tomar um suco de laranja geladíssimo. Pois bem, sento lá e chamo a moça que está atendendo. Ela faz sinal pra eu esperar e fica no mesmo lugar, olhando para o teto como se rezasse.
Enquanto aguardo que ela me atenda, fico tentando me situar naquele lugar, é a primeira vez que eu entro nesta lanchonete. Estou aqui perto fazendo um trabalho já faz algum tempo, mas nunca havia entrado nesta lanchonete. Olho para o interior do salão e me detenho numa pessoa que está fazendo um suco, um rapaz que usa um liquidificador. O olhar dele parece distante, não está ligado no que faz.
Vou passeando o olhar e, em meio a mesas e cadeiras vazias, um garoto me observa com atenção. Sorrio, mas ele não pisca o olho. Aceno, chamando-o para a mesa onde estou, ele não se mexe.  Deixo o garoto, e volto-me para a atendente, ela permanece olhando para o teto e também não vem me atender. Levanto-me e vou em sua direção, mas ao perceber os meus movimentos, ela dirige-se para trás do balcão. Até ai, não me abalo, encosto no balcão e pergunto se ela pode atender.
O cara continua com o liquidificador ligado e com o olhar direcionado para a porta aberta adiante, sem se mover. Por curiosidade, olho para onde havia visto o garoto me observando, ele permanece no mesmo lugar e olhando fixamente para mim. Começo a ficar preocupado, achando tudo aquilo muito estranho. Lá fora, o movimento das pessoas, dos carros e dos galhos das árvores dá o tom de normalidade, dentro da lanchonete é a inércia das pessoas que produz a sensação de que ali tem algo errado.
A garota, agora por trás do balcão, olha para mim com ar de curiosidade e não fala nada e nem se mexe. Com certo cuidado, pergunto novamente se ela pode me atender. Ao perceber que sua expressão não se altera, que aquela situação está me incomodando, dirijo-me à porta de saída. Já fora, da lanchonete, vejo a garota que antes estava por trás do balcão, de pé, parada diante de uma mesa e segurando uma bandeja com um sanduiche enorme e um suco de laranja.
Penso que foi a fome que me empurrou em direção a tal mesa. Quando a garota me vê chegando, abre um sorriso e comenta que havia pensado que eu teria ido embora. Pergunta se acaso custou a trazer o pedido, ao que eu respondo com um não meio sem jeito.
Na mesa ao lado está o garoto que antes me encarava, tomando um suco que, pela cor, deve ser de acerola. Lembro do cara que tinha o olhar fixo e distante enquanto preparava o suco no liquidificador. Após terminar de comer o sanduba, por via das dúvidas, retorno ao interior da lanchonete e a cena permanece inalterada: a moça por trás do balcão olha-me com ar de curiosidade, o garoto de pé por entre as mesas se mantém sério a me olhar, enquanto o liquidificador funciona com um ruído forte, o rapaz continua parado olhando para fora da lanchonete.

2 comentários:

  1. Professor, a riqueza dos detalhes em seus textos me faz imaginar, muitas vezes, que se trata de um acontecimento real. Consigo imaginar cada cena como se estivesse acontecendo de verdade, comigo... muito legal =)

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  2. Oi, Fernanda. Quando eu publiquei aqui um texto que tem como título "Óculos e discurso perdidos", um amigo veio falar comigo, preocupado, para saber como eu havia saído daquela situação. Ele ficou espantado quando eu lhe disse que se tratava de uma ficção. Penso que desta sensação de realidade que os/as leitores/as tem é que cristalizam-se as emoções potencializadas no texto. Eu fico muito feliz com o seu comentário.

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