A tarde
esmaece ante a noite próxima. A sala da redação concentra a atenção de todos na
tarefa de fechar o jornal. O ruído da porta do editor chefe rompe os sussurros
dos teclados. Ouvimos o chefe advertir ao repórter de saída: “cuidado para não
dar manchete”. Olhamos uns para os outros sem entendermos bulhufas. Cada
repórter ali está empenhado em que a sua matéria dê manchete. Esta é uma
disputa permanente e com histórias de glórias e de mágoas infindáveis. Todos os
dias novas guerras são declaradas ante a realização possível do sonho de cada
um de que a sua matéria vá para a primeira página, mais do que isto, seja a
manchete do dia.
Por outro
lado, certamente entendemos que a expressão pode muito bem significar,
simplesmente uma advertência para que o dito repórter não deixe que algo que
deve ser preservado chame a atenção de outras pessoas, talvez pela necessidade
de algum sigilo. Como se devesse ter guardar segredo sobre tal coisa. Mesmo assim,
só teria sentido se fosse um assunto particular, muito pessoal. Mas se fosse
assim, o chefe ao menos deveria ter dito sito enquanto a porta estava fechada e
em voz baixa.
Se deixou a
porta abrir para berrar tal advertência, fica claro que não era seu interesse
guardar sigilo. Ou seja, o chefe “deu manchete”, enquanto advertia ao colega
sobre ter cuidado para não dar manchete. O danado agora é deslindar os sentidos
do que foi gritado num cenário tão impróprio, aparentemente.
No trabalho de
diagramar a primeira página, definidas quais matérias farão parte, terão
chamada, o interesse se fixa no equilíbrio dos espaços textuais com as imagens e
a manchete. O desenho da página deve fortalecer a identidade gráfica do jornal
e, por isto mesmo, ser agradável ao leitor. Deve atender as suas expectativas
e, além disto, conquistar o interesse de novos leitores.
É nesta
tarefa que me empenho enquanto observo os movimentos do repórter que acaba de
sair da sala do chefe. Ele parece um pouco nervoso, olha para os lados com
desconfiança. Retorna a sua mesa e fica a abrir e fechar as gavetas, sem se
sentar. Num dado momento, escora as mãos sobre a mesa e baixa a cabeça por entre
os ombros como se estivesse exausto. Fica assim por um longo tempo.
Apanha algo
em sua bolsa e retorna a sala da chefia. Pelos gestos, presumo que discute com
o chefe. Ele se mantém de pé enquanto o chefe, aparentando calma, permanece
sentado. A cena se prolonga, mas não se escuta voz alterada, embora o colega
pareça extremamente nervoso.
Enquanto os
colegas finalizam os seus textos e passam pela sala da chefia e, em seguida,
por mesa para indicar um arquivo ou comentar um ou outro detalhe no título, no
desenho do texto ou mesmo na escolha das fotos que haverão de acompanhar as
matérias, vai-se definindo a primeira página. Resta o espaço da matéria do
repórter que ainda discute com o editor.
No dia
seguinte, ao chegar a redação, soube que o repórter e o editor chefe haviam
deixado o jornal.
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