O
marido, aflito e ansioso, não vê a hora de toda aquela gente dispersar, sair de
cima de sua cama. O cansaço e o sono tomam conta do corpo que, aos poucos, vai-se
deixando abandonar em um pequeno espaço do quarto, enquanto as vozes vão-se
distanciando. Embora tente resistir, as resistências diminuem lentamente.
Depois de algum tempo, dorme.
A
esposa, ali junto, resiste por mais tempo, mas também, acaba por dormir.
Indiferente ao cansaço e ao sono do casal sucedem-se as intervenções dos
familiares. Alguém vai à geladeira e descobre as bebidas. Por iniciativa
própria, começa a servir os presentes. Outra pessoa vai à cozinha e prepara uns
petiscos para acompanhar a bebida.
Logo,
surgem as rodas de conversa, grupos diversos se formam por afinidades
diferentes: parentesco, interesse por determinados assuntos, por interesse uns
pelos outros etc. Enquanto alguém toma a palavra, o restante participa desta
nova configuração do público. Há grupos de amigos, de parentes, de torcedores
deste ou daquele time, de partidários políticos, de fiéis desta ou daquela
igreja, de jovens, de sexagenários etc. etc. Os assuntos são os mais variados,
vão desde comentários acerca da festa de casamento, passando pelo vestido da
noiva, até as oportunidades de investimento no mercado financeiro.
Percebem-se
movimentos de migração de pessoas entre os grupos, de tal modo que um grande
grupo aos poucos se esvazia e outros se formam ou se ampliam. Dali surgem amizades e novos
casais. Ninguém presta atenção em quem assume a fala. Aliás, quem toma a
palavra, fala para o vazio, apesar da multidão que está ali.
De
repente, devido ao cansaço, algumas pessoas tem a ideia de sentarem-se no chão.
Depois de algum tempo, quase todos os grupos estão sentados. Mesmo assim,
continua o processo de esvaziamento de alguns grupos e formação de novos. Ficam
de pé apenas algumas pessoas que, na animação da conversa, não se dão conta de que
quase todo mundo está sentado. Sim, claro, também quem assume a palavra fica de
pé.
Enquanto
isto, o casal permanece deitado, dormindo profundamente. Mas isto não é motivo
para que ninguém arrede pé dali. Mas, apesar das presenças, o casamento ou
os recém-casados perdem o interesse de quantos conversam nos grupos. Cada grupo
concentra motivos e interesses próprios, isto é o que agrega as pessoas. Há grupos
mais animados em que seus participantes sorriem, uns, inclusive, às gargalhadas,
outros mais contidos e, em alguns casos, há, até mesmo, membros chorosos.
Vez
ou outra, percebem-se discussões acirradas num ou noutro grupo e, em casos
extremos, até gritos, empurrões e pancadaria. Porém, nada é por muito tempo.
Tudo parece ocorrer de modo passageiro. Mesmo os conflitos, se ninguém liga e
deixa rolar, os próprios briguentos se encarregam de acalmarem-se e logo se
desfazem as confusões.
De
repente, talvez sob o efeito da bebida, surge um som alto e alguns dos grupos
que estavam sentados, levantam-se para dançar. Formam-se os casais dançando de
rosto colado. Outros ficam-se a dançar soltos, enquanto mantêm a conversa. No
entanto, a maior parte dos grupos fica indiferente a música, apesar de toda a
altura do som. Por conta disto, surgem em lugares diferentes, reclamações
por conta do som impedir que se converse. Baixam o som e logo todos retomam a
conversa no ritmo de antes.
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