sábado, 24 de outubro de 2009

CORRESPONDÊNCIAS




A natureza é um templo onde vivos pilares deixam filtrar não raro insólitos enredos. Pequenos casos em que se contam as ocorrências tantas que o semeador expande seus sonhos e, tresloucado, abate os troncos fixos, os caules firmes e os deita a folhagem vencidos, à terra incinerada, pele cinza: templo denso e fértil. Era uma vez.
O homem o cruza em meio a um bosque de segredos que ali o espreitam com seus olhos familiares. E desde então atravessado, alargam-se expiações antevistas e visadas no olhar vesgo desapercebido. Templos e tempos como fardos desde há muito e penosamente suportados nos intervalos imensuráveis da alma ao corpo. Para além do que já não mais se aguarda o ouvido atento ausculta o chão, a terra fria.
Como ecos longes que à distância se matizam numa vertiginosa e lúgubre unidade. Sons que reverberam na defasagem dos espaços cavalgados. Assimilam tensões e cavilações das gentes outras confundidas no âmbar da iluminância eterna. Das bocas sem palavras, de mãos sem amor. Não alcançam os olhos o horizonte alongado para longe, só o palmilhar da areia fina enrijecendo os músculos da panturrilha define bem a determinação do abraço. Longos, intermináveis braços. Matizes emanam odores em tênue e ampla pradaria.
Tão vasta quanto a noite e quanto a claridade, os sons, as cores e os perfumes se harmonizam. Ambivalências e contraditos erguem-se e apresentam novas cobiças. A imperfeição da única matriz esfacela-se em múltiplas miragens pela simples ameaça da proximidade. Baudelaire corre a pena em vão. Sudoreses em bicas estremecem em versos de festim e espasmos. Uma música deixa-se estar o tempo inteiro nos sentidos. Ora parece ouvidos da infância como saudade perdida, ora uma sinfonia que se deve compor na imensa e necessária falta que denuncia. Ora o estremecer do contato com a pele, como um frenesi, um frisson de olhares a desnudar a alma.
Há aromas frescos como a carne dos infames, doces como o oboé, verdes como a campina. A madrugada, enfim, tece a manhã no canto harmônico de todos os galos e a poesia refaz a sinfonia por todo o dia os dias todos. Olhar a natureza e degustar os frutos frescos postos sobre a mesa significa mais do que absorver os aromas maturados dos enredos sob o templo. Alguns passantes vasculham veredas como a querer transpor desejos e decretar modos mais estáveis de sentir. São poucos mais se consideram, por assim dizer, aqueles ainda duvidosos que têm esta missão, uma tarefa a cumprir por destino.
E outros, já dissolutos, ricos e triunfantes, como a fluidez daquilo que jamais termina. O rio acautela-se entre as margens e se compraz inteiro no seu ir-se. Toca-lhe o contato dos que à distância observam seu jamais voltar absoluto. Ao que está determinado quem há de contrariar? O eixo desnivela o leito e empurra-o para o mar. Este é o itinerário que não finda e que pertence aos rios. Aos ricos, a impressão dissimulada das posses contra a dor no estômago vazio dos famintos.
Como o almíscar, o incenso e as resinas do oriente, que a glória exala dos sentidos e da mente. Resta ao poeta pensar e devolver ao mundo seu contributo à poesia. De tal modo que o tecido das palavras a acoberte e a dissimule. O mundo, para além das aguçadas mentes criativas, permanece sob sol nos desnivelados matizes que colorem as planícies e as cordilheiras. A mente centrífuga adormece em meio aos aplausos e aos encantos que os sentidos aguçam. Muitos outros poemas florescem, certamente, por entre as trepadeiras. Em nenhuma delas se instala a determinação de estancar a florescência ou o canto que o pássaro repercute no silêncio das tardes, no limo das paredes de pé sobre o tempo. Os sonetos alardeiam timidamente seus versos e nós os colhemos como se donos fôssemos. A natureza é um templo sob o qual recitam-se preces e poemas.

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