terça-feira, 9 de novembro de 2010

ESPIRAL DOS AMANTES


Estamos de algum modo conectados uns aos outros por um tecido que se articula nos interstícios de nossos corpos, uma teia invisível que não permite que nos isolemos. E, se nos ajustamos a esta condição, o espaço tensionado relaxa e não se deixa perceber. Porém, se prevalece a sensação de que algo não se ajusta ou, por outro lado, se ajusta, mas de modo incorreto ou a situações que não são adequadas, o tecido tende a ser distendido e tenso. Os fios vibram num frêmito indômito e reverberam ondas de tensão que alcançam cada um dos pontos que pontuam a malha de conexões.
O incômodo do desajuste aciona sentimentos de instabilidade e desequilibra as relações de troca amistosas, sobrepondo-se como dobra que se estende sobre si e interdita os acordos. Aí se instala a instabilidade. Percebamos que os desarranjos, como os tratados harmônicos, se efetivam no espaço exterior e repercutem no interior de cada um dos que se relacionam por meio de uma teia comum.
Podemos imaginar que tanto temos a condição de produzir ocorrências  com capacidade de mobilizar os outros, seja quem for que esteja vinculado aos fios que se conectam aos pontos visados, e, a partir destes pontos, colher respostas  quanto podemos repercutir questões e ações deslanchadas no exterior, advindas deste espaço intersticial.
Há entre os corpos um vazio que oculta e deslinda os atos polarizados, a partir dos acordos de sentido que se efetivam nas trocas, como resultado do que as singularidades, as individualidades ofertam: objetos de partilha, artifícios de sedução. Apresentam-se como aquilo que interpreta o desejo comum, território, ao mesmo tempo, de produção e consumo do corpo plural. Ou seja, um e outro simulam dar-se ao outro por um movimento de colher o efeito desejado.
Os movimentos ensaiam promessas e experimentam surpresas na direção da dádiva. Gestos desenham toques, numa dança, que ostenta a nudez e uma economia de oralidade. Os sentidos aguçam e aguardam interpretar de parte a parte o retorno de seus atos como consequência de investimentos aparentemente irracionais, emotivos, impensados.
Neste instante, o que circula no espaço dos interstícios são impressões de que as interioridades se manifestam regidas pela harmonia demarcada pelos movimentos exteriorizados do outro. O falseamento se inscreve onde o interior transparece como um misto do que é fonte de produção de intenções e lugar de consumo do que o exterior oferece como possibilidade de co-respondência. Os fios conectam pontos na rede de relações e transpõem os corpos, entrelaçando-se, num tecido de permanência que quase que se pode dizer que impõem comportamentos automatizados e irrefletidos, carregados de manhas, para além do tempo, a outros atores.
O cenário vislumbra corpos encurvados, encaixados em movimentos sincronizados. Encostam-se, adentram-se e deslizam: um sobre outro, um após o outro, ladeados um a um. Desde o princípio encenam coreografias marcadas no ritmo da volúpia naturalizada, apreendida nos rituais milenares das relações intimas. A originalidade e a novidade constituem valores neste tipo de trocas de afeto. Pesados, cansados, exaustos, mesmo, esgotam-se na impressão de darem-se.
Embora a superfície da pele vibrátil, no contato brusco e repetido, tensione as distâncias, confunda a quem observa, sob a impressão de corpos fusionados, resta o tempo e as diferenças do que cada um é em si, marcados na pragmática do desejo de cada um. O outro é apenas parte do exterior. É a denegação. É, enfim, a impossibilidade de realização do que é apenas simulação, quando muito. Senão mesmo, dissimulação nos jogos de constituição do ser.

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