domingo, 24 de abril de 2011

GUERRA DE NERVOS


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A lâmpada acesa atenua a luminosidade advinda da tela do computador. A alma interconectada se alarga e se contrai à medida que vou acessando parceiros do MSN e outros se vão desconectando. Cada parceiro puxa um assunto diferente, e converso, simultaneamente, com vários deles, e alternam-se alegrias, ironias, contrariedades. Nem todo mundo está ali para os mesmos fins. Mas tenho que concluir o texto para a disciplina de amanhã. O Word aberto oferta uma página com dois parágrafos apenas, já há algum tempo. A angústia de não concordar completamente com o que ali está escrito e a urgência de ter que concluir o texto embaralham as sensações à medida que a noite avança.
Vez ou outra vem à lembrança as pressões que irão me constranger toda a manhã, no estágio. Estas lembranças vêm misturar-se e agravar o meu mal-estar. A Internet não alivia, mas, como obrigação, não dá para abrir mão do hábito e do papo nem das companhias que transitam e se fazem presentes na travessia da noite. Há pouco tempo para dormir, e mesmo assim este é o tempo que resta para as tarefas do curso universitário.
As leituras pela metade, o estágio, os compromissos com o grupo com o qual tenho de elaborar um seminário, a visita ao médico por conta de uma gastrite, o namoro que cobra mais presença, o dinheiro pouco e os atrasos do coletivo... coisas que fazem parte deste momento da minha vida. Uma passada na banca de revista, a caminho do ponto de ônibus, dá para ler as manchetes do dia, nada mais do que isto. Todas elas, sem exceção, já foram lidas na Internet, mas vale a pena confirmar. Há certo prazer de antecipação que, afinal, é um gosto, embora passageiro e sem consequência. Os títulos das matérias não informam muito, mas fazer o que se este é o tempo que eu tenho?
Há muito, a vitrina mostra coisas que atraem a minha atenção e despertam meus desejos, e não há como parar para ver com calma, muito menos adquirir alguma coisa. Melhor mudar de assunto para não pintar frustração ou, pior, a depressão. Na noite anterior, enquanto eu teclava com meus parceiros, deu para ouvir vozes alteradas vindas do quarto de casal. Alguma coisa a respeito de dificuldades com educação, problemas financeiros e desentendimentos no modo de conduzir a família. Estas discussões em tom elevado têm-se tornado cada vez mais frequentes.
O clima no lugar de trabalho também anda pesado. Os mandatários alegam dificuldades para manter as atividades da empresa por causa da falta de entendimento com fornecedores. Os colegas, apreensivos, comentam pelos corredores que a coisa não anda nada fácil. Há risco de cortes por contenção de despesas. Todo mundo está uma pilha, com os nervos à flor da pele. Mas enquanto não é anunciado nada oficialmente, vão-se tocando as tarefas como se nada estivesse ocorrendo.
A turma articula a ida a um show de uma destas bandas do momento, que estará na cidade por estes dias. Marcamos de ir, mas nada é certo ainda. De outras vezes, houve muita bebida, muito amasso e até que foi proveitoso. Atrasa a vida de todo mundo, porque é à noite e nos finais de semana que se fazem os trabalhos das disciplinas, mas o lazer é necessário. Há muito não vejo um filme sequer. Viajar, nem pensar. Só nas férias, caso não precise cobrir a falta de alguém, no trabalho, que está doente, de folga ou foi demitido.
Ultimamente, tem-se comentado acerca de problemas com professores do curso que não comparecem as aulas. É verdade que não é agradável que nos desloquemos de tão longe para chegar à universidade e não haver aula, mas as aulas vagas representam um tempo livre que, afinal, aparece e nos dá a oportunidade de atualizarmos a conversa de há muito deixada de lado. Falam também do aumento de alunos por entrada, dizem que o espaço das salas de aula e, especialmente, os laboratórios, já restritos, não conseguirão abrigar a turma toda.
Não dá para saber como, exatamente, tais coisas poderão afetar o percurso da minha vida, mas a cada vez falam coisas diferentes e que logo são trocadas, na conversa, por outras ondas de comentários. Assim, não deve haver motivo para preocupações. Na aula anterior, o professor falou alguma coisa como não haver material de consumo para as aulas de laboratório. Isto rendeu alguma indignação na sala de aula, mas na aula seguinte já não se falava mais disto. Não vejo a hora de concluir o meu curso e poder tocar a minha vida.

2 comentários:

  1. e enquanto isso a vida vai acontecendo...

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  2. A gente pensa que leva a vida por onde quer. Na verdade, a vida nos conduz a surpresas constantes. Toda decisão que tomamos é por conta dilemas a que a vida nos impõe. Não que haja destino determinado anteriormente, apenas que a vida de cada um de nós se faz no entrecruzamentos das vidas dos outros. De circunstâncias que, algumas vezes, fogem ao nosso controle. Obrigado por ler os textos e, principalmente, por comentar.

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