domingo, 17 de abril de 2011

OLHO NO OLHO


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Regina anda cismada com um vizinho cuja área de serviço dá para a de seu apartamento. Percebeu que, sempre que ela vai ao quarto de empregada, à lavanderia ou estender a roupa lavada, ele está lavando alguma coisa e olhando para ela. Não é má pessoa, várias vezes ela tem cruzado com ele nos corredores ou no elevador e sempre a cumprimenta, com simpatia. Mas não pode ser coincidência, foi, por experiência, algumas vezes, à lavanderia, sem qualquer necessidade, e lá está ele, aparentemente lavando algo.
A situação a está incomodando tanto, que, por outras ocasiões, Regina tem evitado ficar muito tempo ou procurado ir menos à área de serviço. Apartamento tem dessas coisas, você precisa ir aos poucos se adaptando às regras de morar em condomínios e às regras próprias daquele prédio em que você vive.
Vez ou outra alguém liga o som mais alto, num momento em que você está precisando de silêncio para estudar, descansar ou, simplesmente, não está a fim de barulho. Há, ainda, os cães que ladram, insistentemente, na madrugada, acordando quem precisa dormir bem, para acordar cedinho e pegar no batente. Criar cães em apartamento já é uma estupidez, imagine deixá-los sozinhos, muitas vezes, sem alimentação, fazendo com que incomodem o prédio inteiro.
Sem falar naqueles que vão à praia e, na volta, não têm paciência para aguardar o elevador de serviço e sobem cheios de areia, pelo elevador social. Isto, em qualquer dia da semana. Sequer se dão ao trabalho de, pelo menos, limpar o corpo da areia, antes de pegar o elevador.
Quem está habituado a morar em casa e precisa viver num prédio de apartamento, de uma hora para outra, carece de algum tempo para se adequar a uma realidade tão cheia de nuances, de particularidades. Outro dia mesmo, o síndico estava reclamando do porteiro que deixou uma moradora invadir a portaria e utilizar o interfone, na maior intimidade. Parece até que estava no sofá de sua casa. Algumas pessoas comentam nos elevadores que porteiro A ou B é cheio de liberdades, com certas moradoras do prédio, no entanto, elas mesmas invadem áreas que não deveriam; não se dão ao respeito.
Regina se mantém na “ponta dos cascos”, como se diz. Não “dá mole”, e, por isto mesmo, não consegue entender nem aceitar a invasão do olhar do vizinho. Por via das dúvidas, deixa as persianas das janelas baixadas o tempo inteiro. Não que tenha percebido qualquer invasão a outras áreas do apartamento, mas é melhor prevenir. Se ali, na área de serviço, onde é tudo tão à mostra aquele olhar é tão invasivo, imagine em lugares e momentos em que ela não está atenta.
Por falar nisto, Regina lembra que nunca viu mais ninguém naquele apartamento, além daquele homem que a incomoda com seu olhar direto. Já o encontrou no elevador com outras duas senhoras de meia idade, mas não se lembra de tê-las visto na área interna do apartamento dele. Ele também já não é jovem, deve ter lá seus sessenta ou setenta anos, mas é bem conservado, tem a pele curtida do sol praieiro.
Embora deixe seu apartamento um pouco mais escuro e com maior dificuldade para secar a roupa, principalmente, no período do inverno, Regina está pensando seriamente em pôr uma cortina que lhe garanta maior privacidade. Como boa nordestina, ela ainda não se acostumou à ideia de achar que o calorão e a claridade do verão carioca sejam, exatamente, tempo bom ou bonito, como dizem. É certo que o brilho do céu tem certo encanto em dias de sol, em especial, à beira-mar, mas os dias chuvosos ou frios também têm o seu charme. A chuva liga aquele lugar ao seu, quando chove é quando mais sente saudade.

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