sábado, 9 de abril de 2011

UMA AUSÊNCIA PRESENTE


Lidamos no cotidiano com coisas sobre as quais, raramente, refletimos. Diariamente, muitas vezes por dia, transito pelo corredor que medeia as salas de professor. É mais comum que as portas estejam fechadas, quer pela ausência de seus ocupantes, quer pela necessidade de preservar o clima refrigerado dos condicionadores de ar. O hábito de encontrá-las, deste modo, nos retira o incômodo das questões que preenchem tais lugares.
Uma destas salas está vazia, ou como diz a música, está cheia de ar. A amiga que a ocuparia está de viagem pela Espanha. O hábito de procurá-la, naquela sala, para conversar, faz com que sua ausência incomode. Passar por ali, observar as lâmpadas desligadas, o escuro que se deixa mostrar pelo vidro acima da porta e o silêncio que vem do interior da sala, me provoca algumas perguntas: quando retornará? O que estará fazendo por terras estrangeiras? O que haverá de si em sua ausência, além das lembranças que nos visitam? Que sentidos existirão numa sala vazia? O que será que o tempo alimenta para além do pó que se assenta sobre os móveis? Enfim, um rosário de questões vai se desfiando a não ter mais fim.
Depois, o que se apresenta como reconfortante é o fato de que aquela sala é ocupada por minha amiga. Então, de alguma maneira, ela está ali. E, pensando deste modo, vou-me indo pelo corredor estreito, fronteiriço às salas de professor do meu Departamento.
Então, eu escuto sua voz, com sotaque da Paraíba, e vejo a porta de sua sala abrir e fechar com a constância de quando atendia ali, com atenção, os que aflitos buscavam seu apoio, sua amizade ou seus conhecimentos e seus préstimos.
Pode ser que sua necessidade de conhecer e de compartilhar suas descobertas esteja sendo remontada, nesse exato instante, lá por onde ela anda agora. Certamente, sua presença e suas inquietações farão instalar outras salas e, do mesmo modo, outros lugares de atendimento, para quem lhe busque. Este fio que nos liga fende-se em vários para ligar muitas outras pessoas que, como eu, descobriram, nesta minha amiga, a graça de sua generosidade.
Este fio que nos une aponta seu lugar e apresenta sua presença, estando ela presente ou não. Tem pessoas que são assim, sempre estão conosco onde quer que estejam. O que percebemos disto tudo é que o silêncio, o escuro, a porta fechada e a sala calada dizem muito de uma presença que preenche o vazio. Dizendo de outra forma, ainda para referir a música de Gil, uma sala vazia não apenas está cheia de ar, está também cheia de lembranças, daquilo que guardamos ao recordar alguém, naquele lugar. Ou, de outra maneira, está cheia de detalhes nossos, que investimos ou que imaginamos ser de outra pessoa.
A cada sala corresponde um número, o número é um operador de referências. É com ele que remetemos o que quer que seja para algum lugar. O número é o indicador de um lugar vazio que se apresenta como espaço de uma presença que está em cada um de nós. A sala guarda suas coisas como se cuidados tivesse, por afinidade ou por recomendação. E não há modo diferente de pensá-la, a não ser que abriga impressões de ausência com a mesma delicadeza de que presença fosse.
O corredor é apenas o caminho por onde logo há de chegar, a qualquer momento, uma amiga que está de viagem. É o espaço por onde transito inúmeras vezes ao dia, todos os dias, e onde dou de cara com a porta fechada. A sala fechada. A sala vazia, escura e silenciosa.

2 comentários:

  1. Que bom que você gostou. Melhor ainda, que bom que você manifestou sua opinião neste comentário. Muitíssimo obrigado. Você pode recomendar a leitura deste e de outros textos do blog, eu vou só agradecendo, sinceramente.

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