sábado, 18 de junho de 2011

PERDÃO

Perdão. Perdi mais uma vez. Não me olhes com este olhar. Não silencies deste modo. Não sejas assim tão abundante. Juro, eu mesmo nem gostaria de te olhar, fico sem fôlego, nervoso por demais, mas é inevitável: és muito exuberante. E se te percorro o corpo o tempo inteiro é porque ostentas tanto teus traços provocantes, que nem dormindo eu ficaria indiferente, tampouco ausente.

Tens-me sob a língua e com ela sobejas meus quereres, é com ela que me reténs e me manténs refém. Contenho-me ante teus desejos ainda tão surpreendentes. Sob o corte dos teus dentes que esplendem e sangram a golpes de amor. Marcas de metais que os prendem a sorrisos suspensos e bambos, em todo o seu esplendor. O céu aberto nos convida a outros sonhos sobre as colchas rendadas em dias de lavores e dedicação. Nada mais a fazer senão nos dar assim um ao outro: eu te proponho...

O que fazer, se, dentre outros modos de pensar neste momento, um só se impõe irredutível como o pôr do sol. O chão perde-se em fé às promessas que deixamos rolar. As tramas insinuam dramas encenados sob displicências esquecidas, presas a desfechos prometidos, sem sequer nos falarmos. Infinidades de estrelas luzindo e sequer as vemos. Perco-me nas asas de tuas saias, vendo-te distanciar-se radiante no encalço de destinos longínquos.

Olhas a praça em que brincantes dançam frevo, feito loucos, e desguias este olhar de mim; assim me recomponho e faço de conta que não vejo. Gostas que finjam ignorar-te, enquanto exibes maneirismos, personagens retiradas de novelas de tevê. O cabelo posto sobre o ombro direito, donde observas fio a fio, com leve sorriso. Os pés descalços, as pernas cruzadas, a cabeça pendida para a direita e o olhar atento, se te olham. Respiras devagar, quase a não se perceber. Se a porta se abre, voltas-te, recurvando o corpo para trás. Se perguntam alguma coisa, respondes com indiferença aparente. Se não perguntam nada, és tu quem pergunta com falsa alegria: “o que desejas?” Depois de ouvir a indagação sobre o que quer que seja, respondes baixinho, com zombaria. Queres apenas que lhe repitam o que foi dito algumas poucas vezes.

Fico daqui supondo coisas que se vão sobre tua pele. As vestes íntimas, os pelos enfileirados e eriçados, com o frio do condicionador de ar. Ah, tantas coisas mais. Não fiques assim, não fiques aqui. O mundo te chama a ir-te e me deixar em paz. Só tu não vês o quanto me incomoda que me olhes, que me fales, que me sorrias, que me chames pelo nome. E eu que não desprego daqui. E eu que não me vou faz tempo. De salto, me toco com uma frase que certamente dirias, se eu te falasse o que tenho dito: “os incomodados que se retirem”.

Uma música ressoa nas caixas de som, Gal Costa interpreta “Meu bem, meu mal”: “Você é meu caminho, meu vinho, meu vício, desde o início estava você...” Fico acompanhando baixinho a canção, como a recitá-la para ti: “meu bem, meu zen, meu mal”. Fazes de conta que não percebes. Eu levanto um pouco a voz e viras de costas, para que eu não perceba que sorris. Levantas-te e mexes em algumas coisas como a procurar por algo. Percebo que baixas o volume do som enquanto me observas com zombaria. Dou-me conta que todos na sala me olham porque agora só a minha voz ressoa aquela canção.

Na verdade, desejo ser apenas aquilo que desejas. Alguma coisa como poder adivinhar teus pensamentos e poder me antecipar, só para agradar-te. Nestes momentos em que me parece que ris do mundo e, junto com ele, ris de mim, renego esta minha devoção. Mas, logo a seguir, volto a te desejar com mais força. “Teu corpo, teus pelos, teu rosto, tudo o que não me deixa em paz”. Imagino como posso prender-te e, ao mesmo tempo, questiono se o que mais admiro em ti não seja exatamente esta tua irreverência, aquilo que ninguém pode encarcerar, ninguém pode pôr cabresto... Perdão.

2 comentários:

  1. Olá, prof. Laerte! Já tinha visitado seu espaço poético outras vezes. É sempre bom ler textos inspirados no amor. Parabéns por tornar algo intraduzível num sopro de nuances e traduções. Voltarei outras vezes...
    Abs!

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  2. Por princípio, meu tema é o cotidiano. Mas as leituras ampliam e complexificam os textos. Gosto disto.

    Grato, volte sempre.

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